1.
Quando brincava na Curraleira, num bairro de barracas e miséria, os amigos já lhe chamavam Nininho.
Era inteligente e tinha qualquer coisa de diferente, talvez o olhar azul e límpido, talvez a rapidez com que se adaptava às situações – dava-se com toda a espécie de pessoas, os maus como as cobras, os que cantavam flamenco, os que desejavam paz para o bairro, gente generosa que ele não afastava.
2.
Não havia esperança para o Nininho nem ele pensava muito no assunto. Nascera ali e era ali que tinha de fazer vida, ganhar dinheiro, ajudar nos negócios de família.
Filho de um pai cigano que foi preso em frente aos seus olhos de criança.
Um pai distante de afetos a quem visitava, mais os dois irmãos e a mãe em Pinheiro da Cruz – como ele contou a Daniel Oliveira saiam de madrugada de casa, apanhavam vários transportes e chegavam à prisão de Pinheiro da Cruz, ele e os irmãos agarrados às saias da mãe que alombava com sacos enormes e os outros dois irmãos.
3.
Nininho dava-se com todas as pessoas, mas era agressivo.
Não se ficava atrás, os duros do bairro podiam confiar nele. Tinha cadastro quando a polícia o apanhou numa cena de pancadaria entre rivais, o juiz decretou que ficasse preso em casa e assim esteve durante quase dois anos.
A mãe abraçava-o.
Falava-lhe sem necessidade de palavras e ele sentiu ali que a bondade era mais forte do que o contrário, que a luz era mais poderosa do que as sombras a que parecia não poder fugir.
Com uma pulseira no pé, a pulseira que agrilhoa os presos a céu aberto, Nininho cantou uma canção e enviou para a irmã.
A irmã enviou para uma prima que enviou para outra pessoa e às tantas o vídeo escorregou para a internet.
O sucesso aconteceu como se fosse um milagre – quem era a pessoa que guardava aqueles olhos, aquela voz, aquele poder entristecido?
4.
Centenas de pessoas viram o vídeo.
Depois milhares.
E depois milhões.
Nininho Vaz Maia, batizado de Avelino como o pai, escolheu a bondade de uma mãe que não o deixou cair e acabou recompensado pelo destino.
É uma estrela, uma das maiores estrelas portuguesas.
Prepara-se para esgotar duas noites na MEO Arena, mais de 40 mil bilhetes vendidos.
E há cinco anos estava com uma pulseira no pé, agrilhoado a uma vida sem caminho de saída.
Mas não há ninguém que esteja condenado à partida, o Nininho provou-o mais uma vez.
E eu aplaudo-o de pé.