1.
Havia uma enorme tenda na Avenida da Liberdade, em Lisboa, e toda a gente lá estava.
Presidente da República, ministros, deputados, artistas e jornalistas.
Era março do ano de 1993 e eu tinha apenas 21 anos.
Estagiara quase dois anos no semanário O Jornal que agora dava lugar à modernidade, que agora dava todo o palco à revista Visão, a primeira newsmagazine em Portugal.
2.
Foi há mais de trinta anos e eu era estagiário.
Um dos menos promissores de um grupo de jovens escolhido a dedo.
Entrava mudo e saía calado.
Limitava-me a ouvir os grandes.
O Fernando Assis Pacheco, o Rogério Rodrigues, o Rodrigues da Silva, o Cáceres Monteiro, o Afonso Praça, o José Silva Pinto, o José Cardoso Pires, a Edite Soeiro, o José Carlos de Vasconcelos, o Joaquim Lobo, o Viriato Teles.
Foi na Visão que aprendi a escrever, mas foi também na Visão que tive medo de não o conseguir.
Foi na Visão que bebi whisky pela primeira vez, mas foi lá que percebi que nunca iria ser um jornalista puro.
Foi na Visão que escrevi as minhas primeiras grandes reportagens e que fiz a cobertura de umas eleições na Madeira e dos Açores – lembras-te Gonçalo Rosa da Silva?
Mas também foi na Visão que percebi que não contava para o totobola e que tinha de me fazer à vida.
3.
Era calado com os mais velhos, mas fiz grandes amigos entre os da minha idade e um bocadinho mais velhos.
A Cláudia Lobo, o Filipe Luís, o Plácido Júnior, a Ana Margarida Carvalho, a Rosa Ruela, a Filipa Melo, o Nuno Guerreiro, o João Gobern, o Pedro Dias de Almeida.
Foi na Visão que conheci Pedro Rolo Duarte, uma das três pessoas mais decisivas no meu percurso profissional. Foi o Pedro quem me ofereceu a possibilidade de ser mais, de poder fazer o que quisesse fazer. Acreditou mais em mim do que eu próprio acreditava.
4.
Saí da Visão para o Diário de Notícias e nunca mais voltei ao meu primeiro lugar, à minha primeira redação.
Se fechar os olhos, consigo escutar o matraquear da máquina do Assis, o Cáceres a andar pela redação descalço, o pai do Plácido à sua espera no hall, os cigarros atrás de cigarros do Rogério, o seu
filho Tiago Rodrigues ainda pré-adolescente a ler ao lado dos mestres, a pilha de livros do José Carlos Vasconcelos que o protegiam de todos os que se aproximavam do gabinete, o Viriato Teles a gritar-me que eu era um onanista.
Se fechar os olhos volto ao Carteiro, restaurante onde gastava o dinheiro que não tinha apenas para comer ao lado dos meus camaradas, apenas para me sentir o que ainda não era.
5.
As notícias de insolvência da Visão são, por tudo isto, insuportáveis.
Porque aquela revista, aquele projeto, era mais do que uma revista e um projeto.
Aquela revista era vida e jornalismo.
E mais do que nunca o jornalismo faz falta.
Aos meus amigos da Visão, um abraço apertado.
Texto e programa de Luís Osório
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