Na edição digital do jornal espanhol Público vamos, por dentro de um vídeo, tacteando com o olhar, à exposição que abriu este fim de semana, na sede da ONCE. O video mostra-nos mãos que acariciam fotos. São as mãos dos cegos afagando imagens captadas por grandes fotógrafos como Sebastião Salgado ou Ulla Lohman, a do olhar caminhante nas Montanhas Dolomitas, a que nos levou até ao coração de um vulcão activo.
A exposição que agora é mostrada ao público em Madrid chama-se Mundo Invisível e com essa legenda acende uma luz no escuro. Uma luz táctil. As imagens foram impressas com pequenos relevos. Uma delas mostra-nos mãos abertas que parecem romper distâncias, mãos que pedem o toque do nosso olhar, a polpa dos nossos dedos olhando-as.
A todo o tempo temos notícia de propostas semelhantes, dirigidas não apenas aos que foram amputados da visão, não deixando com isso de contemplar o mundo, de pressentir a sua aspereza, a sua face rugosa, a sua pele de nuvem ou de giesta. Sopeso o verbo: amputados da visão é mesmo o que quero dizer, neste contexto.
Lembro-me de, há muitos anos, a Gulbenkian nos ter dado a fruir, tacteando, ou de olhos abertos, uma exposição originalmente apresentada no Centro Pompidou. Chamava-se “As Mãos Vêem”. Lembro-me de que os visitantes eram conduzidos por várias salas da exposição. Na primeira, tínhamos de nos segurar a uma corda e assim caminhávamos por entre as obras expostas. Era o nosso fio de Ariadne, ao longo da floresta de obras de arte.
O que me prende a atenção nesta reportagem do Público espanhol, o que o meu olhar tacteia imediatamente é o título escolhido pelo jornalista Pablo Romero: “Quando a fotografia se deixa acariciar”.
Inquirido pelo jornal, um visitante da exposição, totalmente cego desde um acidente aos 18 anos, explica que para disfrutar estas fotografias apenas necessita de saber o título e de aceder a uma breve explicação em braille. Pousai os olhos da escuta nesta explicação do visitante cego: “Quando já tocaste noutras fotos”, diz ele, familiarizas-te com as texturas, como se se tratasse do cabelo de alguém ou dos ramos de uma árvore”.
Em miúdos, quando as nossas mãos se atreviam a incursões furtivas por entre as iguarias de um lanche de família, as nossas mães sacudiam-nos as falanges e lavraram sentenças tremendas, asseverando que não se vê com as mãos. Mas se os olhos também comem, por que não podem as mãos ver, tocando?
Dizemos que uma certa história nos tocou. Que fomos tocados pela beleza de uma paisagem.
O breve vídeo na edição digital do Público espanhol demora-se diante das palmas das mãos rugosas de alguém muito antigo. São mãos rasgadas por sulcos fundos que a impressão em relevo acentua. Estão abertas para o nosso olhar táctil.
Tocar é pousar o olhar em.