Um homem morreu ontem à tarde em Chamartín.
Pifou-se-lhe o coração, aos 51 anos, um irremediável ponto morto em hora de ponta, na praça da Prosperidade. Talvez tivesse vindo dos lados da estação, talvez se tivesse demorado diante da montra de uma loja de perfumes, a notícia é omissa. O coração do homem baqueou como se tivesse sofrido uma derrota pesada no Santiago Bernabéu. A notícia não diz se ponderava uma visita ao museu de Ciências Naturais ou se costuma sentar-se ao sol no Parque de Berlin.
Estão a tentar reanimá-lo há meia hora, nada a fazer. Será isto bastante para ganhar a montra do jornal El Pais? A polícia descartou a hipótese de homicídio, não há sinais de violência no contentor de roupa onde foi encontrado. Quanto ao mais, é a notícia despida de outros sinais de espanto. Um homem perde-se do cansado coração, ponto final. Há, contudo, um diminuto porém: o homem foi encontrado num contentor de roupa. Teria caído num contentor de roupa, talvez tentando recuperar do contentor uma camisa que lhe sirvisse, um casaco que o agasalhasse?
A polícia tem outra pista: o homem vivia no contentor de roupa, fazia do contentor a sua casa, a sua cama, no parque da Prosperidade. Nesse caso, morreu em casa.
Lendo esta notícia, um poema de Sophia agasalhou-me como um cachecol contra o frio dos dias. É aquele poema intitulado “As pessoas sensíveis”, aquele que fala das pessoas incapazes de matar uma galinha, capazes contudo de a comer. “O dinheiro cheira a pobre e cheira / à roupa do seu corpo, / aquela roupa / que depois da chuva secou sobre o corpo / porque não tinham outra”.
Tinha, o homem que morreu em Chamartín, um folgado guarda-roupa.
A morte agasalhou-o num conforto desesperado, podemos dizer que era um sem abrigo abrigado, talvez indocumentado, cama, mesa e indumentária assegurada, desde que decidira vestir o próprio tecto.
Talvez procurasse uma gravata a condizer quando