O governo espanhol prepara uma lei orgânica para obrigar os buleros profissionais a desmentirem, nas redes sociais onde operam, as falsidades que lá tinham plantado. A intenção está ainda em anteprojecto e apanha na malha os buleros com mais de cem mil seguidores numa qualquer plataforma digital.
Como raio podem mais de cem mil ir atrás de um bulero profissional? Refiro-me a um bulero com u, não a um primo latino do chá-chá-chá ou da salsa. Não a um bolero parente do tango, mas a um falsário especializado na tanga.
Um bulo, dito em espanhol, é uma notícia falsa, uma notícia deliberadamente falsa, ou em português técnico fake.
Não há como escapar à insídia de tal prática, nem o poderoso Nero se livrou da acusação, nunca provada, de ter mandado incendiar Roma. Não há maiores incendiários do que os buleros profissionais.
O ministro espanhol que dá a cara na batalha legislativa para a regulação do chamado direito à rectificação tem evitado dizer os nomes dos grandes mentirosos da rede, que todos conhecem. O essencial para o ministro é ver aprovada a lei que “promova uma maior qualidade no debate político e garanta o direito dos cidadãos a verem rectificada pelos seus autores uma mentira deliberada que atinja a sua honra”. O apelido do ministro não atrapalha o combate que vem travando.
O ministro chama-se Félix Bolaños. Bolaños com ó. E que fosse Bulanos, com u? Um nome, devidamente registado, é a nossa verdade maior, a nossa cara em letras. Como Manuel Bandeira lembrou num poema, “Duas vezes se morre: / primeiro na carne, depois no nome. / A carne desaparece, o nome persiste, mas / esvaziando-se de seu casto conteúdo / -tantos gestos, palavras, silêncios – / até que um dia sentimos / com uma pancada de espanto (ou de remorso?) / que o nome querido já nos soa como os outros”
Bolaños é o apelido do ministro que pretende erguer uma barreira legal contra os mercenários da mentira deliberada. Bolaños é com ó. Bolaños é contra o bulo. Contra os tanguistas. E por cá? Por cá, até mais ver, nada bule.