1.
Os homens do lixo fizeram greve.
A cidade de Lisboa, sobretudo a cidade de Lisboa, acordou vários dias com os despojos das festas, do Natal, do Ano Novo, dos excessos, dos comas alcoólicos.
Sacos de plástico a transbordar, pacotes vazios, restos de frango e carne espalhados pelas ruas por gatos sem dono, bairros soterrados e nauseabundos.
Os homens do lixo não vieram e demos finalmente por eles.
Não apenas em Lisboa, mas em todo o país.
Percebemos, pelo menos alguns de nós, que existem, que fazem falta, que são insubstituíveis e de carne e osso, que têm opinião e uma vida.
Como tu ou eu.
2.
Muitos deles já não sentem o cheiro azedo nas traseiras de um carro em que se equilibram como se fossem artistas de circo num número impossível em Monte Carlo, terra de príncipes e princesas.
Saltam em andamento, esvaziam os caixotes e os contentores de lixo para onde tantos de nós enviam os saquinhos dos nossos cães.
Mas não são artistas, príncipes ou bailarinos de corte.
Algumas vezes vão parar ao hospital com problemas de pele ou intoxicações por terem estado em contacto com matérias perigosas que as pessoas colocam sem pensar nas consequências.
No Inverno trabalham ao frio e à chuva e sem maneira possível de se poderem proteger – as pneumonias, as gripes e tuberculoses são comuns entre eles.
3.
E de dia completam o trabalho.
Lavam as ruas com mangueiras.
Desinfetam os caixotes e os contentores para que as doenças não tenham um lugar para assentar arraial.
Varrem e são mestres do assobio com que comunicam uns com os outros.
Estes homens ficaram em casa durante uns dias e demos pela sua falta.
Talvez alguns de nós, da próxima vez que os encontrarmos, lhes perguntemos pelo nome e os saudemos com um…
…bom-dia, como está?
Como vai a família?