1.
Há pessoas da nossa família com quem jamais falaríamos se não o fossem
Fazemos o esforço, atendemos o telefone ou fazemo-lo, mas quando desligamos fica um sabor estranho, o de estarmos agarrados a uma convenção que, sendo importante, nos responsabiliza a fazer o que não desejamos no mais profundo do nosso íntimo.
2.
Acredito na família, que não haja dúvidas sobre isso.
Mais de metade da minha vida tentei formar uma que fosse minha, que tivesse partido de mim, e na outra metade tentei que não acontecesse – um desejo de ser e de não ser, de estar rodeado de crianças e de estar rodeado de silêncio, de ter um cão que se senta aos meus pés quando me sento e de não ter obrigação nenhuma, de ser solitariamente livre.
3.
Mas não é este o ponto do postal de hoje.
Falava-te da família tóxica.
De pessoas que temos a necessidade que existam, mas que são obstáculos à nossa tranquilidade, grãos de areia da nossa estabilidade, gente que se senta à nossa mesa e nos irrita e puxa para baixo.
Gente a quem temos o dever de continuar a abrir a porta por ter o nosso apelido ou por ser mulher ou marido do nosso tio ou tia, ou mulher ou marido da nossa mãe ou pai.
Isto para não falar dos casos mais tristes.
Filhos que nos destroem, pais e mães que nos condenam a sofás de psicanálise – há para tudo como na farmácia.
4.
Tenho orgulho na minha família.
Nas minhas origens, na família que construí e no futuro que estamos a escrever.
Que bom não ter soçobrado à vontade de estar apenas por minha conta, mas tenho a responsabilidade de te trazer todos os assuntos, de falar de tudo contigo.
E cá para nós viver a família pode ser uma carga de trabalhos.
Podemos ter sorte, podemos até ter muita sorte, mas a maioria de nós está junta nesta barca que não nos leva sempre ao paraíso…
… diz-me com toda a franqueza, e até pode ser ao ouvido, falarias com todas as pessoas da tua família se não fossem da tua família?