1.
Na história de Sá Carneiro e Snu Abecassis há paixão, sonho, coragem, traição, ressentimento e tragédia.
É a mais bela história de amor do país em democracia.
Com personagens principais e secundários, gente que foi afetada, que sofreu e fez a sua parte ou o contrário.
2.
Uma das figuras mais impressionantes, mas também mais esquecidas é a de Vasco, o primeiro marido de Snu e pai dos seus três filhos.
Micaela
Ricardo
Rebeca.
Raramente é citado, ainda mais raramente comentado nas chafaricas onde a lana-caprina do país é revolvida, mas o seu exemplo é comovente.
Vasco Abecassis nasceu muito rico.
O seu pai tinha escritório em Nova Iorque e gastava mais tempo em Paris, Londres ou Berlim do que em Lisboa.
Vasco estudou fora e conheceu Snu numa escola em Londres. Apaixonaram-se no seu modo de se apaixonar, com distância afetuosa e a responsabilidade a que eram obrigados por estatuto social, cultura, cosmopolitismo, classe.
3.
A família burguesa de Snu, retirada de um filme de Bergman, começou por torcer o nariz. Não por Vasco ter maus modos, mas por ser português, um país colonialista, miserável e retrógrado.
Só que o rapaz não era bem português e a coisa deu-se.
Casaram, tiveram filhos e viveram rodeados de tranquilidade. Com conforto, viagens, dinheiro, livros, amigos, previsibilidade.
Tudo estava bem sem nada estar verdadeiramente bem para Snu que desejava uma outra vida… sem saber que a desejava.
4.
Snu apaixonou-se por Francisco.
Sabemos ao detalhe, mas se te perguntar do Vasco é possível que desconheças a sua importância, grandeza e discrição.
Talvez até desconheças que abriu a porta da sua própria casa ao filho mais novo de Sá Carneiro que decidira romper o elo com a família da própria mãe.
Tratou-o como um filho.
E foi o primeiro a estimular a possibilidade de o jovem Francisco Sá Carneiro poder morar com a sua filha Rebeca, de poderem entrar na vida adulta a ajudarem-se um ao outro, como irmãos e melhores amigos.
5.
Vasco Abecassis foi um homem à frente do seu tempo.
Muitíssimo à frente do Portugal onde nasceu.
Ainda hoje o seria.
Casou.
Separou-se, viu a ex-mulher apaixonar-se por um outro homem, assistiu à história de amor sem nunca deixar de apoiar Snu ou ter
a tentação de contaminar a vida dos filhos com tristeza, despeito ou dúvidas.
Após a tragédia foi o pai que o filho do grande amor da vida da sua ex-mulher precisava.
E continuou discreto para que a história de amor prevalecesse sem ruídos perturbadores.
Eis um grande homem que adoraria ter conhecido.
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