1.
Todos os dias acontece, todos os dias me exalto, todos os dias me esforço para não desistir.
Mas é tão difícil não desistir de dizer bom-dia quando tanta gente não responde, quando tanta gente prefere seguir em frente sem um segundo olhar, por vezes até com um sorriso espantado pela enormidade de sermos educados ou de, nas suas cabeças, não passarmos de personagens menores em comparação com o doentio amor que têm por si próprios.
2.
Não te falo dos atormentados por uma qualquer notícia ou por uma vaga de tristeza que lhes tomou por uns dias conta do corpo, falo-te sim dos que parecem sentir asco por quem lhes dirige a palavra.
Ou os que tratam mal os que me servem o pequeno-almoço, que os tratam como se fossem seus escravos.
Dos que insultam por dá cá aquela palha.
Dos que olham para nós como se não estivéssemos, como se fossemos transparentes, olham para nós sem nos verem.
Dos que nos fazem sentir mal e a mais, como se não pertencêssemos ao seu mundo de eleitos.
Dos que nos passam à frente na fila ou nos gritam nas janelas dos carros ou nos atropelam no supermercado.
3.
Detesto pessoas assim.
Incapazes de ver o outro.
Amputadas de empatia.
Ridículas de soberba.
Como se o dinheiro que têm, o poder que têm, o estatuto que têm ou a beleza ou a juventude ou o génio…
… esses são os piores.
Os que nós admiramos pelos livros, pelos filmes, pelos quadros, pelas músicas, pelas ideias e depois olham para as pessoas que os abordam como se tivessem escorbuto.
Com uma patética superioridade, com uma chocante incapacidade de perceber o quanto são profundamente pequeninos.
4.
Gosto de os insultar.
Gosto de os confrontar.
Gosto de lhes dizer que não valem nada para além dos livros que escrevem, das canções que cantam, dos quadros que pintam, dos personagens a que dão vida.
Têm isso, mas depois nada.
Gosto de lhe dizer que não valem a ponta de um corno, os meus amigos sabem que é verdade, sabem o quanto adoro fazê-los ouvir o que aparentemente nunca ouvem.
Detesto arrogância.
Coloca-a a par do ressentimento.
E a arrogância dos mais capazes é ainda mais chocante.
Se alguém que admiras não te trata bem não o leias, não o escutes, não o vejas.
É tóxico.
E se é tóxico na vida não me interessa que não o seja quando está nas suas quatro paredes a criar uma mentira.
Texto e programa de Luís Osório
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