1.
Aurora Cunha não é apenas uma das melhores atletas da nossa história.
Campeã do mundo de estrada e de corta-mato, finalista olímpica mais do que uma vez, vencedora de várias maratonas e a mais emblemática atleta do FC. Porto.
Por isto e por aquilo nunca ganhou uma medalha olímpica, também por isso teve de ficar na sombra de Rosa Mota, a menina da Foz que acabou por levar quase todos os louros e honrarias…
… sabemos que a história é sempre feita pelos vencedores e para os vencedores.
2.
Rosa está no Olimpo e adoro-a.
Com Carlos Lopes, Cristiano Ronaldo e Eusébio são os melhores de sempre, sem discussões.
Mas a Aurora é especial.
Não pelas suas vitórias ou pelo que ficou por conquistar, sim por tudo o que foi obrigada a enfrentar.
3.
Há pessoas para quem nada é simples ou linear.
Aurora nasceu numa família de dez irmãos.
Uma família de Ronfe em que todos trabalhavam desde os 13 ou 14 anos. Ela também, aos 14 já era empregada numa fábrica têxtil. Trabalho duro e de sol a sol.
Era maria-rapaz.
Aos fins-de-semana jogava ao pião e à bola com os amigos da aldeia.
Aos 15 inscreveram-na no clube do sítio e começou a ganhar provas atrás de provas. Treinava no final das madrugadas antes de trabalhar na fábrica, as mulheres da aldeia queixavam-se à mãe por a miúda correr de calções pelos montes escuros como se fosse um pequeno diabo.
4.
Corria mais do que os rapazes.
Corria muito mais do que as meninas de todo o país.
Veio o FC. Porto e levou-a e ganhou campeonatos e conheceu o mundo.
Falam-lhe da Rosa e ela vai os arames, irrita-a ter de ser comparada com alguém para lhe reconhecerem o valor.
Na sua vida, parece que nada é suficiente.
E que nada lhe é garantido.
Como quando lhe diziam que não podia engravidar.
Ela deixou de correr, lutou para que o impossível acontecesse e nasceu a Mariana, a menina da sua vida, a absoluta felicidade que lhe parecia vedada.
Depois chegaram a dizer-lhe que o cancro na mama lhe seria fatal, mas ela não acreditou. Lutou contra a adversidade, ganhou à doença e ganhou futuro para poder viajar com a sua Mariana e o seu companheiro.
Depois, Francisco morreu subitamente.
Num momento estava bem e no outro não estava cá. Disseram que ela não resistiria à perda do marido. Aurora chorou, gritou, revoltou-se com Deus, mas voltou a sair de casa e a viver.
A estar ao lado das mulheres que tiveram cancro como ela.
Que sofreram perdas como ela.
Que não conseguem engravidar como ela não conseguia.
Que foram pobres e que correm como ela.
Aurora Cunha é uma das melhores portuguesas.
Uma das minhas preferidas.
Uma grande mulher, para mim uma campeã eterna.