Hesito entre ficar à escuta de Daniel, o vendedor de grilos do Senhor de Matosinhos, ou da batida do coração de Lucas, aluno da Secundária Alves Martins, de Viseu. Se não houve sobressaltos, se Lucas não periclitou, como “periclitam os grilos” num poema de O’Neill, leva já uma hora a experiência de abandono vigiado a que se pretende entregar até às cinco da tarde. Nove horas sem comer, sem beber, e sem falar, o corpo abandonado num cubo de ferro de três metros, é uma instalação, como se diz, mas em silêncio, em abandono vigiado, por uma nutricionista e um fisiologista.
Daniel, o vendedor de grilos com quem o repórter Miguel Amorim, do JN, conversou na feira de Matosinhos, pode ser que tenha ido buscar grilos ao produtor, em Penafiel. Vai lá todos os dias, explica ele. Lucas, se tudo correr como previsto, não explica nada até às cinco da tarde. Este é um gesto de despedida, está de abalada para Belas Artes, no Chiado à tardinha, às vezes.
Dá Lucas o corpo ao manifesto, se de um manifesto se trata. E trata. Corpo e espaço, sustenta o jovem, “são unos e contínuos”. Não é provável que as televisões mostrem em directo este corpo ao cubo, não tendo ele sido anavalhado, não estando Lucas barricado num centro comercial com reféns presos por um fio, ou mergulhado até à cintura em água do mar confirmando que o calor dilata os corpos.
Periclitam os grilos? É o periclitas. Cala-te, Grilo Falante, não sejas Pinóquio.
Já Daniel, na instalação por certo acanhada do Senhor de Matosinhos, regressado de Penafiel onde todos os dias vai buscar grilos ao produtor, prepara-se para a instalação que o obriga a raspar as asas, a estridular freguesas. Todos os dias, garante Daniel ao JN, vende uma média de cinquenta grilos, a cinco euros cada um, com gaiola.
É a nossa infância que arregala os olhos, dá uma volta no carrossel e canta com as asas, ou melhor, estridula, a nossa infância aprendendo
mais adiante na vida que alguns grilos não cantam. São os chamados grilos-tigre, e até às cinco da tarde também o grilo-Lucas, fazendo de bicho da seda, de bicho da sede, no cubo, linda mocidade, foi-se o sol embora.
Não podes, sequer, raspar as asas, Lucas, e estridular? Já nem te pergunto se aceitas uma fartura da Lola ou um bolinho de amor da confeitaria Sarita.. Depois vingas-te, faz de conta que te vingas, na Marques, lá para as Belas Artes.