1.
Já não é a primeira vez de que deles falo.
Quando se separaram, não os esqueci pela dignidade com que o fizeram após uma relação de vinte anos e dois filhos.
Volto agora a Catarina Furtado e João Reis.
Não por eles que dispensam bem a publicidade, mas por alguns de nós – certamente que por alguns dos que me ouvem ou leem.
2.
Não faço julgamentos de valor, a vida tem demasiada imaginação para que o possamos fazer, é uma arrogância que acabamos por pagar caro.
Não o faço, mas já vi tanta coisa.
Pessoas que se amaram e que depois se perderam em agressividade, em violência física e psicológica, na utilização dos filhos como arma de arremesso.
Conheço quem se tenha deixado de falar após relações onde juraram a eternidade, onde contaram estrelas em noites de verão e cortaram cordões umbilicais a bebés que os fizeram chorar e tudo passou, tudo foi deitado ao lixo pelo ciúme, pelo despeito, porque ele ou ela encontraram outra pessoa que o fez ou a fez mais feliz ou por um qualquer deslize de ocasião.
3.
Os tribunais estão entupidos com processos entre pais e mães que não se entendem sobre a guarda dos filhos, que gastam parte do seu tempo, da sua vida, a infernizar a pessoa que tiveram ao lado.
Que se inundam em comprimidos que os despertam nas manhãs e que lhes permite dormir nas noites, que gritam em casa e rebentam com a cabeça dos miúdos, alguns demasiadamente pequenos para não sucumbirem às feridas.
Não faço julgamentos de valor, quem sou eu para isso?
Talvez me pudesse acontecer a mim, sei lá como reagiria perante circunstâncias que não imagino?
4.
Mas quero trazer outra vez a Catarina Furtado e o João Reis ao “Postal do Dia”.
Juntos durante vinte anos.
Pais de Beatriz e João.
E juntos nesta noite de Natal.
Numa consoada em que ocuparam os seus lugares e se abraçaram na troca de prendas.
Não será certamente uma situação fácil para os dois, mas um e o outro sabem o que é importante e acessório.
Quando se tem filhos não há nada de mais decisivo.
Da mesma maneira que quando vivemos e partilhámos a vida com alguém, mesmo que acabe a relação, fechar a porta é o sinal de que desperdiçámos anos da nossa vida, que foi um tempo absolutamente perdido.
E isso é penoso porque o tempo é o que temos de mais precioso.