1.
Há eminências pardas na história da política portuguesa, mas nenhuma como ele.
Vítor Cunha Rego influenciou Sá Carneiro e Mário Soares em momentos diferentes, mas era tudo menos um anónimo.
O mesmo se pode dizer de Jaime Nogueira Pinto, José Pacheco Pereira ou Daniel Oliveira – influenciaram na sombra alguns líderes políticos, mas nunca deixaram de ter uma presença mediática.
2.
Falo-te hoje de alguém sem qualquer presença mediática.
Sem colunas de opinião.
Ninguém o convida para mesas redondas ou entrevistas televisivas.
Não há praticamente nenhuma referência nas redes sociais, no Google ou na inteligência artificial.
É como se não existisse, como se fosse um fantasma ou uma assombração de quem com ele se cruzou.
3.
Só que Artur Pereira não é uma assombração ou um fantasma.
Existe, é de carne e de osso e se um dia escrever uma autobiografia perceberemos algumas coisas que até hoje são desconhecidas na nossa história contemporânea.
Artur é comunista.
Mas o Partido Comunista não o reconhece publicamente como tal.
Artur não se importa, é visceralmente comunista, talvez mais do que nunca – e não engana ninguém sobre a sua condição, sobre as suas convicções.
Foi muito amigo de Mário Soares e é próximo da família, sobretudo da filha Isabel.
É amigo de Pedro Passos Coelho e já os ouvi a conversar… conheceram-se há trinta anos em Loures, numa campanha política autárquica e nunca mais deixaram de conviver sem que Artur se desvie um milímetro da sua opinião quando está com o ex-primeiro-ministro.
Artur dirigiu a campanha presidencial de Fernando Nobre… julgo que a pedido de Soares, não tenho disso absoluta certeza.
4.
Deve ter sessenta e poucos anos.
Não o vejo há bastante tempo, mas sempre que o vejo acredito que está a preparar alguma coisa.
Tem uma singular capacidade de comunicar e aposto que continua a desempenhar um papel numa qualquer clandestinidade dificilmente reconhecida.
Foi, aliás, a partir da clandestinidade que se infiltrou, muito jovem, num movimento fascista logo depois do 25 de Abril.
Tentaram matá-lo num bosque abandonado, mas sobreviveu.
O Partido Comunista colocou-o rapidamente em Moscovo.
Seguiu depois para Havana onde conheceu a família Castro.
Quando as coisas acalmaram, regressou.
5.
Sem que mais ninguém tenha, aparentemente, notado que ele existia.
É um homem extraordinário.
Uma das pessoas que mais me marcou até hoje.
Não era amigo do meu pai, mas conhecia-o.
Quando o nosso amigo comum, o enorme Rogério Rodrigues nos apresentou, disse-me:
“Podes ter orgulho no teu pai. Era um dos grandes, um homem extremamente corajoso”.
Depois, uns anos mais tarde, já amigos, foi o Artur quem pagou o funeral da minha mãe pois eu não tinha dinheiro.
6.
É assim.
É isto.
Há coisas que não imaginamos.
Poderes e homens e mulheres que não conhecemos.
Gente gigante que nem sequer é do conhecimento dos oráculos que tudo sabem.
Estou convencido de que Artur Pereira é uma das maiores eminências pardas da política portuguesa.
Influente.
Silencioso.
Corajoso.
Eloquente.
Terno.
Brutal.
Clandestino.
E revolucionário.
Uma enorme figura que faço hoje gosto em te apresentar.
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