1.
Esperei vários meses pela solidariedade pública dos amigos.
Por declarações sobre a sua personalidade, os seus valores, a sua simpatia, a sua capacidade de ouvir as pessoas, todas as pessoas.
Pelo talento na criação de entendimentos entre os que pensam coisas diferentes ou opostas, pela sua generosidade.
2.
Não vejo tudo, não escuto tudo, não dou conta de tudo, mas ou estive distraído ou praticamente ninguém nestes meses disse coisa nenhuma sobre António Lacerda Sales.
Como se estivesse contaminado.
Como se fosse um leproso no tempo dos romanos.
Como se tivesse acabado de assassinar três inocentes por lhe ter sido negado um corte de cabelo.
O silêncio dos seus “amigos” é ruidoso e diz muito do que nos tornámos.
3.
Não está em causa o processo das gémeas.
Da autorização ou não da consulta.
Do então secretário de Estado da Saúde ter cedido a uma cunha ou não.
Ou se Lacerda Sales é inocente ou culpado – isso será definido pela comissão de inquérito parlamentar ou pelos tribunais.
O que está em causa é o que ele é.
Esperei todos estes meses pelo abraço público de quem de direito.
Nada de nada.
4.
Mas eu não esqueço quem é António Lacerda Sales.
Não esqueço das suas lágrimas numa conferência de imprensa em plena pandemia, as lágrimas de um homem que anunciou ao país que, naquele dia, e depois de tanta mortandade, não havia registo de portugueses mortos pelo vírus.
Não esqueço esses anos em que passámos tanto, os anos em que ele, António Lacerda Sales, foi um elemento decisivo, até no modo como conseguiu atenuar a tensão entre a ministra da Saúde e a diretora Geral.
Não esqueço da corrida que fez do seu gabinete até à rua para acudir a um motociclista que se estatelara – acudiu-o e aguentou o sofrimento do miúdo até à chegada do INEM.
Não esqueço o deputado que foi. A incrível capacidade de falar com gente que não pensava como ele, da esquerda à direita.
Não esqueço o dia em que no parlamento uma senhora da limpeza lhe pediu uma receita para a dor nas costas – ninguém
mo disse, eu estava lá e vi-o a passar a receita e a dizer-lhe como devia tomar os comprimidos.
5.
Bolas, em que momento perdemos a empatia?
António Lacerda Sales é uma pessoa maravilhosa.
E nenhuma conclusão de nenhuma comissão de inquérito poderá provar o contrário.
O silêncio dos seus amigos diz dos seus amigos.
E diz da política portuguesa.
Da falta de coragem, da falta de solidariedade e da tal empatia.
Que fique então registado o meu abraço.
Texto e programa de Luís Osório
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