1.
No lugar de Agramonte, terra de mortos ilustres e anónimos, há um relvado com flores plantadas por alunos de Medicina da Faculdade do Porto.
É o mais bonito recanto do cemitério.
Ali não estão sepultados corpos, apenas as suas almas – não ocupam espaço, não há ossadas para retirar ou maus agoiros para envinagrar ou decorar com dentinhos de alho benzidos.
2.
É o mais bonito lugar, não há outro assim no cemitério que é a casa de Manoel de Oliveira e Guilhermina Suggia.
Há uma pedra com um nome perfeito: Serenarium.
O mesmo que dizer, um país habitado por almas luminosas.
Habitado por gente que decidiu doar em vida o seu corpo à ciência.
Cabeças, troncos e membros que, todos os dias, são manipulados pelos alunos da Faculdade de Medicina.
Ou utilizados para outros fins científicos, não é relevante.
3.
São eles e elas, mulheres e homens sem corpo, que têm o mais bonito lugar em Agramonte onde mortos ilustres e anónimos se juntam para ouvir a música de Suggia.
Bruxas e bruxos, alquimistas, cartomantes e lançadores de búzios juram que, ao fim do dia, enfeitiçados pela genial e bela violoncelista de quem toda a cidade se despediu em 1950, todos se juntam.
Todos são todos.
Mortos agora.
Mortos o ano passado.
Mortos há décadas ou noutros séculos.
Todos se juntam no relvado de almas que repousam eternas no Serenarium.
O paraíso dos dadores.
Um Éden sem maçãs proibidas.
Sem serpentes.
E sem medo.
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