1.
Em Lisboa, no bairro de Alvalade, um restaurante antigo continua aberto ao público.
Quando digo antigo é por o ser, o Pirilampo abriu portas durante a 2.ª Grande Guerra, em 1942.
Mas se o restaurante é antigo, o que dizer do cozinheiro?
É que o senhor João Pinhal tem 87 anos e coordena as operações no Pirilampo há quase meio século.
Calo-me já com mais efemérides, mas há uma outra coisa ainda, uma ainda mais rara: o homem nunca faltou ao trabalho.
Não faltou um único dia.
2.
Chega primeiro que todos.
É o último a sair.
Abre e fecha a porta.
E todos os dias prepara o terreno para que ninguém tropece no que precisa de ser feito.
No Pirilampo há um belo cozido à portuguesa… posso comprová-lo.
E há cabidelas, ovas e feijoada.
Nada lhe escapa, a começar pela qualidade dos produtos sempre comprados a fornecedores que um dia fez seus parceiros de confiança.
3.
O senhor João Pinhal, nascido nos arredores de Lisboa, foi com a família para Moçambique e regressou nas pontes aéreas.
Chamaram-lhe retornado e passou dificuldades, mas no primeiro dia do ano de 1977 entrou para a cozinha do Pirilampo para nunca mais sair.
47 anos.
17 mil dias.
411 mil horas sem faltar ao trabalho.
Não faltou uma única vez.
Leio sobre o senhor João na “Mensagem de Lisboa” e dá para perceber o quanto se orgulha.
Não por nunca faltar ao trabalho, mas por ter ajudado a transformar a “Tasca do Coxo” por causa de um empregado que mancava, num restaurante de boa fama.
Não por nunca ter perdido um dia, mas pela rotina inquebrantável.
Mesmo com achaques.
Dores nas pernas e nas costas.
Com mais ou menos comprimidos, com mais ou menos consultas, foi e é sempre o primeiro a chegar e o último a regressar a casa.
Um honrado cubículo perto do metro de onde entra e sai todos os dias.
Sem filhos.
Sem amores, sem nunca ter casado.
Apenas tem o “O Pirilampo” onde é rei e senhor entre segunda-feira e sábado.
Quanto ao domingo fica por casa e é sempre o dia mais triste da semana.
O dia em que as horas nunca passam.
O dia em que lhe apetece faltar.
Texto e programa de Luís Osório
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