Quando um pouco por toda a Europa se desenham políticas de desproteção do lobo que permitem “suavizar” a Convenção de Berna e criar nuances nacionais de “flexibilidade de gestão das populações locais de lobos” temos matéria de reflexão sobre o verdadeiro significado de “espécie protegida”. Os lobos são ainda, formalmente, espécie “protegida”, mas já não “estritamente protegida”. Ou seja, essa proteção deixa de ser rigorosa, absoluta, inquestionável. Quando o lobo europeu começou a ser encaminhado para esta espécie de fojo legislativo dei comigo a pensar sobre qual seria a interpretação do biólogo Francisco Álvares, o investigador do CIBIO doutorado em biologia da conservação com quem, há muitos anos, segui no Gerês pegadas de uma pequena alcateia. E Francisco Álvares disse o que tinha a dizer, com todas as letras, pouco antes do Natal, em declarações ao DN. O respeitado investigador considerou que a decisão do Parlamento Europeu “não foi tomada com base no conhecimento ou em evidências científicas”, antes configura o resultado de uma “instrumentalização política”.
Os parlamentos e as comissões deveriam escutar testemunhos como o do biólogo Francisco Álvares ou o do fotógrafo da natureza Andoni Canela que acaba de publicar um precioso livro, “Território Lobo”, reunindo o resultado de três décadas no trilho dos lobos, em várias regiões de Portugal e de Espanha. O jornal El Pais publicou há dias imagens captadas nos bosques e montanhas ibéricos por este a quem apresenta como “o fotógrafo que persegue os segredos do lobo”. Andoni Canela interroga-se perante o repórter: “Como é possível que, depois de trinta anos a ver lobos, eu continue a emocionar-me em cada novo encontro?”.
É dessa margem de interrogação, com todas as possibilidades em aberto, que surge o alerta lançado por uma companhia de teatro de Vila Real, a Peripécia Teatro. Tenho um enorme apreço por este grupo com mais de 20 anos de actividade, com pegada firme nos povoados mais remotos da região, de que é exemplo feliz o projecto “Lua Cheia, Arte na Aldeia” com epicentro na aldeia de Coêdo e desde 2022 também no Centro Cultural e Recreativo de Benagouro. A Peripécia Teatro tem-se desdobrado em propostas artísticas com reverberação na comunidade local, desde as sessões de contos que levam textos de mulheres para mulheres às aldeias de Vila Real até a intervenções como aquela que se anuncia para o Dia Mundial do Ambiente, no início de Junho. Sérgio Agostinho, fundador da companhia e seu co-director artístico, revelou ao repórter Eduardo Pinto, do JN, que esta nova criação original da Peripécia será inspirada “na problemática do lobo ibérico”. Aliás, conta o JN, em quatro das seis apresentações previstas, será realizado um percurso relacionado com “a pegada histórica e natural do lobo pela região”.
Uma nota curiosa: a sede da Peripécia na aldeia de Coêdo fica na rua do Fojo.
Outra nota ficará perdida no caderno onde alinhavei uma espécie de fojo de paredes convergentes. Gostava de a poder trabalhar com a paciência das observações de Francisco Álvares ou com a emoção do fotógrafo Andoni Canela: “Quem quer ser lobo tem de lhe vestir a pele”. É uma nota encurralada, não protegida de uma batida estilística. Enfim, não estritamente protegida.