Este fim de semana, o obelisco de Buenos Aires, no cruzamento da Corrientes com a 9 de Julho, foi iluminado com a imagem do Papa e a mensagem: “Francisco, a cidade reza por ti”.
Depois do beijo das trinta criptomoedas, há tempos, no Vaticano, não é provável que Milei invista de motosserra em punho contra o monumento que acolhe a mensagem de tanta estima ao homem a quem chamou “o imbecil que defende a justiça social”. Milei ofereceu a motosserra a Musk e esse não tem o sentido de humor do Papa para lhe fazer uma observação sobre o corte de cabelo. Está mais ocupado em desferir golpes na justiça social.
A semana passada, o repórter Fernando Eurico descreveu nesta rádio, admiravelmente, a praça que o Papa não tem visto da janela: “Silêncio e tanta gente”, disse o repórter, sublinhando que o silêncio da multidão apenas era quebrado pelo som dos sinos do Vaticano ou pela água que corria nos fontanários erguidos por Maderno e Bernini na praça de São Pedro. Fernando Eurico apresentou-nos, nessa manhã, Ana Margareth, uma brasileira em situação de sem-abrigo. Tinha-se juntado aos que rezavam pela saúde do Papa que defende a justiça social.
O Papa voltou a pedir que rezássemos por ele, nestes dias em que Buenos Aires iluminou a sua imagem no obelisco. Foi este obelisco erguido no mesmo ano em que o Papa nasceu. Foi levantado em apenas um mês, em pedra branca de Córdoba.
Fico a pensar que um obelisco é uma oração em pedra para os que não sabem rezar. Manuel Bandeira disse coisa parecida num poema em que define o obelisco como “lição de verticalidade física e moral, de rectidão, de ascetismo”. Nesse poema, de final dos anos 40, ele deseja que o obelisco “esteja sempre nu e limpo, apontando as coisas mais altas – o céu, a lua, o sol e as estrelas”.
Está muito bem, em seu alto nome, este Papa iluminado no obelisco da Buenos Aires onde nasceu. Ele nos pede, entretanto, que rezemos por ele. Talvez possamos todos, mesmo os agnósticos que o estimam, reproduzir aquela oração a São Tomás Moro a que tanto se refere. Aquela que ele reza todas as manhãs, depois das primeiras orações. É uma oração sobre o sentido de humor. Aquela que começa de um modo só aparentemente inusitado: “Dai-me, Senhor, uma boa digestão / mas também qualquer coisa para digerir. / Concede-me a saúde do corpo e o necessário / bom humor para mantê-la”.
Procurai-a e acolhei-a. Vem sugerida por um homem bom cujo sentido de humor é uma motosserra do amor e da bondade, rasgando a indiferença, reclamando a justiça social.
Termina assim: “Dai-me, Senhor, um sentido de humor apurado / e a capacidade de receber o que aí vem a sorrir / vivendo o que me cabe com alegria / e partilhando-a sem custos acrescidos / com os outros. Ámen”.