1.
Não tenho nada contra os lugares comuns, pelo contrário. Um lugar-comum pode ser uma maravilhosa oportunidade de mais pessoas se entenderem ao mesmo tempo.
Não é uma oportunidade que se possa desperdiçar.
Sobretudo agora em que há zanga, raiva e animosidade.
Em que parece que não nos entendemos sobre coisa nenhuma.
2.
Vou arriscar um tema em que podemos estar de acordo mesmo pensando coisas diferentes ou opostas sobre o mundo, sobre o amor, sobre a política, sobre o futebol ou sobre a religião.
Os pais preocupam-se com os filhos.
Sacrificam-se por eles.
Temem pelo seu futuro.
Ofereceriam a sua vida sem hesitar se em causa estivesse a vida de um deles.
Podemos consensualizar em relação a isto?
Se eu e tu formos opostos em várias dimensões do que fazemos e pensamos, e se tivermos filhos, os dois seríamos capazes de tudo para os ver felizes, livres e bem-sucedidos.
E os dois, imaginando ter filhos adolescentes ou jovens adultos, podemos consensualizar que estamos preocupados.
Que não sabemos o que acontece nos seus quartos quando estão nos seus quartos.
Que não sabemos o que fazem no telemóvel ou no computador.
Que tememos por eles, que ficamos em pânico com novos perigos que não entendemos bem…
… desconhecemos com quem falam, se falam, se marcam encontros, se veem conteúdos que os iludem, se perdem tempo que os faz não terem a possibilidade de se cumprirem, tempo que nunca mais regressará, que nunca mais conseguirão recuperar.
3.
Os meus pais também não sabiam o que eu fazia.
E provavelmente os teus também não.
Arrisquei uma ou outra vez, nem sempre respeitei as passadeiras, nem sempre disse a verdade, mas os perigos eram outros, mais palpáveis, igualmente brutais, mas diferentes, mais compreensíveis.
Agora não, agora estamos desamparados.
Nós, pais.
E eles, filhos.
Nós por não sabermos.
Eles por acharem que sabem.
Nós por não compreendermos.
Eles por acharem que compreendem.
Quando tudo é virtual, tudo pode acontecer.
Quando tudo do outro lado é passível de ser imaginado, quando estamos dependentes de um ecrã, de telemóvel ou de computador, podemos ser puxados para um lugar sem regresso.
Não temos de saber o que se passa nos seus quartos, mas temos a obrigação de os resgatar para a vida real.
Onde há morte e desgraça.
Onde há perdas e desesperança.
Mas onde há sol, vento, chuva e frio.
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