1.
“Os jornais em papel vão morrer”.
É uma frase que nas últimas semanas tem sido repetida como certeza absoluta.
Há outras frases também repetidas e nenhuma delas é boa.
Do género:
A democracia tem os dias contados.
Ou
A Inteligência Artificial mudará tudo… até a forma como amamos.
2.
Volto ao primeiro dos dogmas futuristas.
À morte dos jornais, das revistas, das letras impressas, das rotativas, da distribuição.
Não sou jornalista há muitos anos.
Entreguei a minha carteira profissional numa outra vida.
Resolvi controlar os meus passos, torná-los mais tranquilos, ganhar mais dinheiro, escrever apenas o que me apetece e para quem me apetece.
3.
Mas se sou alguma coisa, se interiormente me perguntar o que sou, direi “jornalista”.
Sabes, tem a ver com a infância.
O Sr. Correia deixava-me vender os jornais na papelaria da esquina da Rua Correia Teles com a Rua Sampaio Bruno.
E eu jurei-lhe, mesmo antes de saber ler, que um dia seria jornalista.
E fui.
Nos jornais fui aliás quase tudo.
Foi o lugar onde mais feliz me senti.
E mais infeliz também.
Uma redação de um jornal diário é um mundo que nasce e acaba todos os dias.
Vamos para casa esvaziados.
Ressuscitamos de manhã e voltamos ao campo de batalha.
Ficamos mais velhos mesmo sendo novos.
Envelhecemos rapidamente, bebemos mais do que a conta, conhecemos gente que nos apaixona, que nos rebenta, que nos emociona, que nos faz acreditar que aquilo que fazemos é uma missão ou um purgatório.
4.
Não quero que os jornais e as revistas em papel morram.
E vou fazer a minha parte, prometo.
Tentarei provar que é possível ganhar.
Que é possível fintar a morte, seduzi-la e passá-la para o nosso lado.
Vou inventar um jornal ou uma revista ou o que for.
Desde que seja em papel.
Um jornal onde apenas caiba o que não pode ser lido em mais nenhum lado.
Sem notícias da atualidade, mas a fazer uma nova atualidade.
Com histórias que nos façam chorar, que nos façam participar, que nos tirem do sério, que nos indignem.
Com entrevistas únicas, com o mundo dos miúdos e uma escrita que nos fure os tímpanos, que nos desinquiete desta letargia em que parecemos estar quase todos a cair.
5.
Posso falhar.
Posso cair.
Posso não conseguir.
Mas não posso daqui a um tempo, quando me fecharem a luz da mesa de cabeceira e os meus filhos chorarem a partida do pai, ficar a pensar que não fiz tudo para resgatar o romantismo da profissão.
O que diria quando voltasse a ver o Rogério Rodrigues?
O José Cardoso Pires?
O Rodrigues da Silva?
A Edite Soeiro?
O Pedro Rolo Duarte?
O Vicente Jorge Silva?
O Fernando Assis Pacheco?
Vou fazer a minha parte.
Se não conseguir, não consegui.
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