1.
Sem luz.
Sem telemóvel.
Sem internet.
Sem elevadores.
Sem multibancos.
Sem restaurantes.
Sem escolas.
Sem televisão.
Sem séries.
Sem noticiários.
Sem cirurgias.
Sem aviões.
Sem metropolitano.
Faz hoje uma semana que o nosso mundo, o mundo a que nos habituámos, ameaçou fechar.
E nós, eu e tu, ignorantes sobre o que acontecera ou o que nos esperava.
2.
Ao princípio da tarde, no princípio de tudo, galoparam rumores à velocidade de um puro sangue lusitano.
Uns culparam os russos.
Outros juraram que era resultado de um ataque global de hackers ou de Elon Musk.
Houve quem batesse à porta de bancos para levantar o dinheiro.
Nos manicómios doentes julgaram ser o fim do mundo.
Nas maternidades mães perderam a calma.
3.
Faz hoje oito dias que o mundo fechou a porta por umas horas.
Mas a questão não é essa.
A questão é que a luz poderia não ter voltado.
Que as nossas contas poderiam ter sido apagadas.
Que toda a rede de comunicação poderia ter sido destruída.
E se tal tivesse acontecido nada poderíamos fazer, ficaríamos atados de pés e mãos.
4.
Mas também é verdade que, na segunda-feira da semana passada, fui buscar os miúdos à escola.
Também é verdade que passei por um lugar onde adolescentes estavam a falar uns com os outros e a jogar à bola.
Há tanto tempo que não os via assim!
Há tanto tempo que não jantava à luz de velas, há tanto tempo que não cantávamos, há tanto tempo que não estávamos à mesa sem a televisão ligada.
Há tanto tempo que não ligávamos o rádio de casa, que não a ouvíamos em família, a nossa Antena 1 na primeira linha a dizer-nos o que estava realmente a suceder na escuridão onde estávamos.
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