Colho dos jornais duas histórias ou nem tanto, duas notas soltas sobre o que os dias devolvem à nossa atenção, uma inquietante, outra festiva, e entrego-as ao vento da rádio para que delas faças o uso que te aprouver, encontrando ou não conexões, pontas soltas para um fio de conversa com amigos. Colho-as das anotações que fui rabiscando, esta manhã, numa folha de papel; toma delas o sentido de que te aceno com uma maçã colhida da árvore, como se te tocasse no ombro… e pedisse a tua atenção para um sobressalto de especialistas em comportamento numa página do “El País”. Eles interrogam-se sobre se a “amizade” das redes sociais pode converter-se num “trabalho a tempo inteiro” para os adolescentes (escrevem amizade entre aspas, numa áspera constatação do peso crescente da virtualidade nos nossos dias). A notícia remete para um estudo recente cuja principal conclusão é a de que a expectativa de disponibilidade que os jovens estabelecem em relação aos amigos pode mergulhá-los em “stress digital”.
A outra maçã matinal cai da árvore em forma de pergunta na edição digital do jornal “La Vanguardia”: “Qual é o músculo mais importante?” A pergunta corre sobre o rosto sorridente de Mary Palmer, oitenta anos, maratonista com o dorsal 25850. Ela acaba de terminar a sua segunda maratona com o tempo extraordinário de 5 horas e 15 minutos. Perguntam-lhe o que fez depois de tamanha proeza. Responde que foi para casa de metro.
Vai estendendo, ela também, uma maçã saborosa ao repórter: “Não me dói nada”, diz ela. Conta que teve de fazer transbordo no metro onde entrou com o equipamento de maratonista, provocando a curiosidade e a simpatia dos outros passageiros.
Qual é, afinal, o espanto, porque vos dou a morder esta maçã?
Onde é que podemos encontrar a ponte entre as duas histórias de jornal, contrariando os dias deslaçados?
Demorai-vos, comigo, um pouco, no parágrafo seguinte. É aquele em que a maratonista octogenária conta que terminou a prova correndo lado a lado com Esther, uma jovem de vinte anos, praticante de ginástica rítimica. Mary Palmer conta que ambas sentiam ainda fôlego e força para conversarem sobre as suas vidas, enquanto corriam. Esther contou-lhe que os pais, praticantes de esqui, a esperavam na meta. E também duas ou três amigas e as mães delas. Mary tinha à sua espera, na meta, a vizinha de baixo, que levara chocolate quente para a retemperar do esforço. E os repórteres. Ela estava feliz, também, porque a maratona provocara receitas para apoio a uma campanha de escolarização de crianças do Nepal promovida por uma associação que ela ajudou a criar.
Qual é o músculo mais importante? – perguntava a notícia, em título. A resposta está dada, na meta onde tudo recomeça.