1.
Aproxima-se o Natal e eu confesso-te que tenho tantas saudades da Feira Popular.
Não imaginas quantas.
Lembro-me tão bem das noites em que caminhávamos em família, a minha mãe que me guiava pela mão, que me protegia apenas por existir – agarrava-me à sua mão e aos meus olhos era uma gigante linda de morrer.
É sempre nela que penso quando me lembro da Feira Popular.
Das noites que desejava que não acabassem, das moedas que rezava para que não se esgotassem, do cheirinho a algodão doce.
2.
Éramos pobres, mas quando ali chegávamos éramos também felizes.
Não tínhamos muito dinheiro durante o ano, a minha avó Joaquina fazia soutiens e a mãe camisolas de lã que vendia nos seus dias mais difíceis.
Mas uma vez por ano íamos todos à Feira Popular.
E antes de entrarmos a mãe contava o dinheiro e eu sabia com o que contava, se podia andar em três ou quatro atrações, se podia dar um tirinho ou andar de pónei.
As farturas eram obrigatórias e garantidas.
3.
A Feira Popular da minha infância estava sempre cheia de gente de todo o país.
Os adultos gritavam como crianças e as crianças sentiam-se mais próximas dos pais do que noutro dia qualquer.
E mesmo quando as moedas se esgotavam o meu olhar permanecia encantado com o movimento, com a alegria, com as cores.
A lagarta.
O comboio fantasma.
Os carrinhos de choque.
O carrossel que tinha bolas que esmurrámos a cada passagem.
A montanha russa que era coisa de grandes.
A roda gigante.
4.
Ia também com as minhas tias Cristina e Teresa, mas aí podia andar no que quisesse.
E comíamos nos restaurantes.
Frango assado.
Choquinhos.
Sardinhas com pimentos.
Foi com elas que entrei, cheio de medo, no Poço da Morte.
E na sala de espelhos onde me via como se fosse outro.
5.
A Feira Popular não era apenas um lugar, era o lugar.
Onde se encontravam pessoas pobres e ricas.
De um lado meninos de pé descalço, do outro meninos bem vestidos.
De um lado, famílias que iam pela alegria de naquela noite poderem divertir-se tanto ou mais do que os ricos.
Do outro, famílias burguesas que iam pela alegria de naquela noite poderem divertir-se como se voltassem a ser crianças.
Tenho tantas saudades.
Tantas que não imaginas.
Texto e programa de Luís Osório
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