1.
Roberto Carlos faz 84 anos nos próximos dias e no Brasil não se lembra da última vez que saiu à rua. É simplesmente impossível pensar sequer em fazê-lo, seria engolido pelo povo, literalmente engolido.
Ouvi-o a última vez que cá esteve.
É sempre especial tornar a cantar algumas das canções da minha vida, a “Lady Laura” que me faz sempre chorar…
O inigualável “Amigo”, o “Como é Grande o Meu Amor por Você”, “As Baleias” ou “Detalhes” que me acompanharam a infância e a quem volto recorrentemente.
2.
Associo Roberto Carlos a vários momentos da minha juventude.
Os fins de semana em casa das tias quando o ouvia no gira-discos que era um símbolo de uma estabilidade e um apaziguamento que desconhecia fora daquela casa.
Os dias em que ficava a ouvir o “Quando o Telefone Toca” à espera de ser embalado.
A avó a fazer soutiens enquanto trauteava “Desabafo” rendida à sua tristeza.
Tantos momentos em que aquela voz foi banda sonora da minha história – e da história de milhões de pessoas.
3.
Roberto Carlos continua a arrastar multidões, mas carrega o preconceito de uma parte substancial das elites cosmopolitas que o acham insuportavelmente piroso.
É também o meu mundo, não o nego.
A maioria dos meus amigos estudou no estrangeiro, está na vanguarda do que se consome nos lugares da boa cultura e pertence a grupos fechados com gente que fala a mesma linguagem, vê o mesmo tipo de coisas, frequenta os mesmos restaurantes, faz as mesmas viagens e funciona em capelinha.
Não tem mal, não é uma crítica.
A única que lhes faço é a arrogância idiota que os afasta de qualquer possibilidade de empatia.
A petulância que torna impossível a compreensão do mundo na sua globalidade, o mundo dos que se comovem, dos azeiteiros que continuam a acreditar no amor e a chorar baba e ranho com lugares comuns que arrepiam os que se arrogam de ser profundos quando são muito mais superfície do que imaginam nos seus delírios.
Gosto de Roberto Carlos.
Gosto de me emocionar.
De chorar com a “Lady Laura” por me lembrar da minha mãe.
De me comover com “Amigo” por me recordar dos amigos que perdi e dos que tenho.
Era isto.
É tão bom estar disponível para gostar.
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