O padre João Torres, obreiro do formidável Presépio ao Vivo de Priscos, chama-nos, a páginas tantas do JN, para a grande festa do voluntariado que mobiliza mais de 600 figurantes e milhares de visitantes na povoação minhota, a 10 km de Braga.
Lembro-me da primeira vez que fui a Priscos, com um gravador que trouxe cheio de histórias da sua pegada missionária.
Lembro-me de ter anotado que nos encontrámos num café da rua do Cidadão, a dois passos da rua da Esperança, em Priscos. E mais anotei que a rua do Cidadão vai desembocar na rua do Carrasco, tal como um cristão pode cruzar-se com um soldado romano no maior presépio ao vivo da Europa. Talvez tenhamos falado disso uns meses mais tarde num jantar no Retiro do Caçador, à entrada de Braga, quando o jovem padre João Torres se emocionou partilhando histórias da experiência vivida numa zona remota de Moçambique, varrida pela seca e por outros ventos de desgraça. Uma equipa de jovens de Priscos, mobilizada pelo padre, regressara de uma missão que permitiu o acesso de várias aldeias moçambicanas a água potável. João Torres, a quem tratei na gravação por “abade de Priscos”, não precisa de inventar uma receita de pudim (já inventada por um seu antecessor famoso) para adoçar a boca aos tantos que, em seu redor, só saboreiam amargura. Ficai sabendo, já agora, que em Priscos há uma rua da Boca. Quem tem boca vai a Priscos. E claro que, sendo o nosso primeiro encontro para um programa de rádio a que chamei “Comer com um Abade”, mais sentido fez que tratasse o jovem missionário pela designação tornada famosa por um gastrónomo de sotaina com tal dedo culinário que lhe coube organizar o repasto do rei D. Luís, num banquete na Póvoa. Foi no gabinete do famoso abade de Priscos que o jovem padre me contou histórias da vasta mesa a que tantas fomes se sentam.
Ei-lo esta manhã apresentando no JN uma família há oito anos fugida do Congo, em busca de paz. Tiveram esses congoleses, entretanto inseridos na comunidade bracarense, destaque na 18ª edição do presépio de Priscos dedicada à inclusão e às minorias. E puderam contar a sua história, no momento inaugural desta experiência única.
Um presépio é isso, um lugar de acolhimento. O padre João Torres usa argumentos irrebatíveis, em qualquer momento, seja ou não Natal. “Acolher estas pessoas, ao contrário do que possam dizer, é tornarmo-nos mais fortes e dar vida às aldeias e cidades, fomentando-se uma troca de ensinamentos e tradições”, disse ele à repórter Sara Sofia Gonçalves.
Peço permissão para trazer ao presépio de vozes da rádio outra ideia do padre que viu muito sofrimento no mundo: “O discurso de mandar embora imigrantes é anti-cristão”, diz ele. “Quem é xenófobo ou racista não tem o espírito de Natal consigo”.
Se alguns se engasgarem ouvindo tais palavras e perguntarem que pudim é este, respondei-lhes com as palavras do velho abade com artes culinárias quando o rei D. Luis lhe perguntou que iguaria lhe dera a provar. “É palha, real senhor”, respondeu o abade. “Então dais palha a vosso rei?”, inquiriu a majestade. E o velho abade: “Real Senhor, todos comem palha. A questão é sabê-la dar”.
O missionário organizador de presépios vivos sabe a receita e não hesita em partilhá-la, a dois passos da rua do Cidadão, em Priscos.