1.
Não tenho a certeza se a ideia é fruto da experiência de uma quase vida ou do meu próprio envelhecimento.
Mas a convicção é enorme no que vou defender a seguir.
Resume-se numa única frase.
“Numa relação amorosa é essencial não deixarmos cair a cerimónia.”
Sei que é difícil.
Que depois das primeiras semanas, primeiros meses, começamos a aligeirar a delicadeza, o cuidado com o outro, a vontade de agradar, o gosto por surpreender.
Mas sendo difícil tornou-se essencial.
2.
É que é tão cansativa a agressividade do mundo.
O gosto pela superfície, a voragem do consumo – e falo também da tendência para consumirmos a pessoa que adormece ao nosso lado.
É tão extenuante a agressividade latente ou escancarada, a brutalidade dos gestos, a incerteza dos dias…
…é tudo tão brusco que devemos fazer o esforço para não nos deixarmos ir na facilidade.
3.
Uma relação deve ser o nosso centro, o nosso exemplo para o mundo.
Devemos tratar o outro como se ele ou ela não fosse um dado adquirido, como se todos os dias tivéssemos de a conquistar, de o conquistar.
A delicadeza é um bem escasso, uma instituição verdadeiramente em crise, como a democracia, a tolerância e a empatia.
Não podemos acabar com as guerras ou com o ódio, mas podemos fazer alguma coisa na nossa pequena e gigantesca aldeia privativa.
4.
Tratar com cerimónia a pessoa que temos ao lado seria um bom começo.
Não abandalhar.
Não trocar a relação pelo sofá.
Não ser ordinário ou vulgar.
Não deixar de perguntar.
Não deixar de exigir ao outro que tenha cuidado.
Para aligeirar e te rires um bocadinho comigo…
…não passar a dar puns e arrotos como se a pessoa ao lado fosse o amigo adolescente que ia para os copos quando éramos muito malucos.
Talvez seja o meu próprio processo de envelhecimento, um certo cansaço até de mim próprio e dos meus erros, mas a delicadeza não é apenas uma palavra bonita.
Na verdade, é uma trave mestra para nos salvarmos da lama que nos retira a visão do horizonte.
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