Em vésperas do centenário do nascimento de Carlos Paredes, voltaremos a escutar, na evocação do grande mestre da guitarra (ou, como sustenta o genial Pedro Caldeira Cabral, da cítara portuguesa) os “Verdes Anos” ou o “Movimento Perpétuo”. Passada a efeméride, Paredes regressará ao desterro dos instrumentais. Porque as rádios, à excepção da Antena 2, convivem mal com os grandes instrumentistas, sejam eles ou não geniais criadores. Conheci quem sustentasse que, não obstante a reconhecida qualidade artística de tantas obras instrumentais, elas não passariam de uma espécie de tapete luxuoso para certos contextos de sonoplastia. Não passariam de música para falar por cima.
Palavras medíocres limparam inúmeras vezes os pés no tapete instrumental disponível. Não encontro palavras para classificar essa visão estreita, essa concessão a critérios de estrita cobardia editorial.
Se um instrumentista ganha um prémio ou cai na grelha dos obituários, abre-se circunspecta excepção à regra mais cómoda.
Lembro-me do indisfarçado incómodo com que hierarcas da playlist reagiram em tempos idos à minha opção de passar, em programas com forte componente musical, com o mesmo grau de dignidade, obras instrumentais e canções.
António Pinho Vargas, Júlio Pereira, Carlos Bica, Custódio Castelo, Carlos Paredes, Branko, assomaram às janelas que abri em tantas emissões de rádio, entretecendo atmosferas com os criadores de canções da minha estima.
Sou por isso obviamente sensível a um desabafo recente do grande guitarrista Manuel de Oliveira, vencedor do prémio Carlos Paredes e de quem se aguarda a apresentação, em Maio, na Casa das Artes de Famalicão, do projecto “Ibéria 20/22”, no qual leva por diante uma parceria feliz com dois músicos espanhóis fundadores do sexteto de Paco de Lucía.
Manuel de Oliveira, não obstante a alegria pelo justo prémio, deixou dito com todas as letras: “A música instrumental portuguesa é um lugar difícil em Portugal. Num país com uma riqueza cultural tão vasta e diversa é difícil compreender como a música instrumental continua a ser marginalizada por alguns dos nossos meios de comunicação. Existem canais em Portugal que não difundem a música instrumental como critério de programação, o que é medíocre e é penalizante da cultura e inteligência do público português”.
Penso no quanto estas palavras de justa indignação de um músico excepcional deveriam trazer à discussão e à reflexão, no quanto elas podem ser instrumentais de um processo de mudança de critérios.
Entretanto, se andares a norte, não percas o fado anunciado para dia 17 na bela casa desenhada por Souto de Moura em São Martinho de Anta. É o “Fado da Cítara Portuguesa” pensado e dedilhado por Pedro Caldeira Cabral no Espaço Miguel Torga.
Pedro Caldeira Cabral sabe, de Portugal, as variações. Sabe o que é um lugar difícil em Portugal.