1.
Querida Daniela,
Não lhe quero falar da polémica e de todas as implicações políticas do caso da compra do medicamento para as suas filhas.
Logo se verá o que acontece e se os protocolos portugueses foram desrespeitados e por quem.
2.
Quero perguntar-lhe, isso sim, como é que estão as princesinhas?
Como é que está a Maitê e a Lorena?
Sei que fizeram cinco anos e que talvez o pior já tenha passado – os gritos de dor, as cãibras constantes, a impossibilidade de se conseguirem manter em pé ou de se sentarem, os pedidos de socorro nos seus olhos de bebé.
É complicado estar a falar assim, a escrever assim, mas é a verdade que nunca ninguém lhe perguntou.
Como se não tivéssemos qualquer empatia.
Como se fossemos incapazes de entender o drama de uma mãe que tenta desesperadamente parar o sofrimento das filhas.
Travar os tremores, a baba sempre a tombar-lhes da boca, as ameaças de que, a qualquer momento, podiam sufocar por falta de oxigénio, a dificuldade de comer e de beber, de mastigar, de engolir, de falar.
3.
Daniela, estamos na semana de Natal.
Sei que se divorciou do pai da Maitê e da Lorena.
Não conseguiram prosseguir juntos, não aguentaram o desespero de as ouvir a pedir ajuda em todos os dias, em todas as horas, em todos os minutos.
Mesmo quando não gritavam os seus olhos diziam tudo – não vos recrimino por não terem conseguido, a vida é terrível quando nos cai na cabeça, quando nos esmaga da maneira como esmagou a sua família.
4.
A Daniela confessou que, apesar dos avós portugueses, apesar de ter dupla nacionalidade há vinte anos, não deseja regressar a Portugal.
O que aconteceu no parlamento foi pesado, a humilhação pública que alguns deputados lhe fizeram como se a Daniela tivesse alguma culpa de ser mãe e de tudo ter tentado como qualquer mãe faria.
Mas não o pense.
Por vezes, há momentos em que o “mal” nos contamina.
Momentos terríveis em que perdemos a empatia.
Não se trata de passar ao lado de uma ilegalidade trata-se de simplesmente lhe perguntar como estão as suas filhas?
Como está a Maitê?
Como está a Lorena?
Já sorriem?
Já se conseguem levantar?
Que prendas terão no sapatinho?
Estão entusiasmadas com o Natal?
Já sabem o que é a felicidade?
Bom Natal, Daniela.
5.