1.
Vejo todos os dias pessoas a tratarem mal outras pessoas.
A fazerem-no gratuitamente, apenas porque sim, por estarem chateadas, por que a vida lhes corre mal, por serem más ou terem maus fígados, por estarem protegidas por um ambiente que lhes permite tudo.
No trânsito, se me estás a ouvir no carro, sabes do que falo – há quem abra o vidro e insulte mesmo tendo filhos pequenos ao lado, é-lhes indiferente.
2.
Vejo pessoas a gritarem com funcionários de repartições públicas.
A insultarem nas finanças e na segurança social, nos notários, no gás e na eletricidade, no cartão de cidadão, nas caixas de supermercado, nos restaurantes, nos hospitais e nas escolas.
Leio os comentários nas redes sociais.
Gente que é ordinária, que acha que pode tudo, que vê os outros com as suas próprias trombas, que acha que tudo está mal, que todos são corruptos, sacanas, idiotas, analfabetos, burros, chulos, menos ele próprio, claro.
3.
Vejo quem não responda bom-dia quando dizemos bom-dia.
Vejo pais a estrebuchar asneiras ou a ameaçar de porrada miúdos de 12 e 13 anos em jogos de futebol de infantis ou iniciados.
Vejo todos os dias a realidade a superar a mais poderosa ficção científica.
Vejo gente a assinar petições para que portugueses se mantenham presos em Israel – se possível torturados e a pão e água para ver se aprendem.
Vejo gente que se benze aos domingos na missa, mas que depois trata mal quem está por baixo e se enoja à passagem dos pobrezinhos.
4.
E vejo um empregado de um restaurante italiano no centro de Lisboa, a ser humilhado durante toda a noite por uma besta quadrada.
A ser maltratado, mas a responder sempre com um sorriso e uma palavra boa, de tranquilidade.
Às duas por três, o tipo caiu em si e perguntou ao empregado se tinha sangue de barata.
Sabes o que respondeu:
– Que a sua vida era demasiadamente importante para ser contaminada com a má disposição de alguém que, muito provavelmente, nunca mais iria ver. Podia dizer o que quisesse, podia até insultá-lo, mas ele não lhe permitiria ter o poder de lhe estragar o dia.
Saí do jantar revigorado com esta lição que hoje tenho o gosto de partilhar.
Que não deixemos que os outros nos estraguem o dia com o seu ressentimento, má energia ou maus pensamentos.
Não é fácil, mas vale a pena tentar.
Ouça o “Postal do Dia” em Apple Podcasts, Spotify e RTP Play.