1.
Parece vivo, apesar de ser apenas uma cabeça.
Só que os olhos estão abertos e não são de um morto. Quando os vi pela primeira e única vez tive de me desviar daquele aquário com formol e da cabeça impecavelmente exposta como se o homem tivesse acabado de acordar.
Chama-se Diogo.
Tem um ar esperto e um bocadinho perverso, o que (convenhamos) não admira.
Diogo Alves foi um dos maiores e mais afamados monstros da nossa história – na primeira metade do século XIX roubava pessoas no Aqueduto das Águas Livres e deitava-as borda fora como se tivessem tropeçado.
2.
Tinha 31 anos quando foi enforcado no Cais do Tojo, perto da atual Avenida D. Carlos I.
Foi o penúltimo a ser condenado antes da abolição da pena de morte em Portugal e, curiosamente, executaram-no não pela mortandade no Aqueduto, mas por ter adormecido para sempre uma família inteira num assalto trivial.
Era mau como as cobras.
E, embora nunca se tenha provado que era culpado das mortes no Aqueduto, o certo é que após ter estrebuchado perante o aplauso aliviado da multidão, nunca mais ninguém tombou das Águas Livres.
3.
A sua cabeça foi depois tirada do corpo para estudo.
Era uma oportunidade de perceber se alguém poderia ser um criminoso antes de o ser, se alguém poderia ser descoberto na sua maldade pelo tamanho e formato do crânio.
Diogo lá está.
Vivinho da costa dentro de um aquário com formol na Faculdade de Medicina de Lisboa.
Uma cabeça sem tronco e sem membros.
Uns olhos despertos que nos olham quando nos aproximamos.
Que me olharam fixos quando me aproximei.
Não conto lá voltar.
Mas aconselho a experiência.
Dêem-lhe os meus cumprimentos.
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