Nascido no Minho em 1944, António Rodrigues Ribeiro rumou a Lisboa com apenas 12 anos com um horizonte de possível futuro como marçano. O tempo acabaria por lhe dar outras possibilidades, encontrando não só um rumo profissional como barbeiro como alargando as visões sobre o mundo ora através de estadias em Londres (onde tinha família) ou os Países Baixos, onde trabalhou durante algum tempo. No regresso a Portugal não só trazia mundo como um desejo cada vez mais firme em juntar um velho gosto pela música (que remonta às festas de Verão no Minho) à vontade em cantar e ser artista. Cria a sua própria imagem, cuida do corpo bem antes de generalizado o hábito de ir ao ginásio, idealiza e faz ele mesmo as suas roupas… Mas tudo isto com a certeza de uma outra realidade: começa ele mesmo a criar as suas próprias canções (que, quando chegaram a estúdio anos depois, receberam importantes contribuições dos músicos com os quais foram gravados os seus discos).
Mas o caminho foi longo e lento. Os primeiros anos com um contrato discográfico (firmado por volta de 1978) colocaram-no perante a possibilidade de dois caminhos, um mais próximo do folclore, outro em busca de um trilho numa cultura pop/rock que, por aqueles dias, ainda não havia conhecido em Portugal a explosão de ideias, propostas e adesão que chegaria entre 1980 e 81…
Uma primeira sessão em estúdio, ainda no final dos anos 70, gravada tendo em vista a hipótese “popular” nunca foi até hoje tornada pública. Uma segunda, por volta de 1981, da qual nasceram, “Toma o Comprimido” e “Não me Consumas”, que só tiveram expressão fixada em disco postumamente, numa compilação lançada em 2006, permitiu-lhe contudo assegurar estreias na rádio e televisão, momentos que ressoaram ao ponto de acelerar definitivamente uma opção: António Variações faria caminho, em disco, em sintonia com o emergente “boom” que se vivia na cena pop/rock portuguesa. Caminho, de resto, já em parte sugerido quando, nos concertos desse tempo, se apresentava com a sua banda de suporte (os Kamikaze), na qual a tal divisão original de possibilidades ainda ecoava, apesar da então já evidente inflexão mais urbana. Entre 1982 e 84 tudo mudou através de um percurso discográfico curto mas marcante. Tão marcante que lançaria as bases para um reconhecimento que, silenciado pelo estigma lançado pela doença que o levou cedo demais, começou a ganhar sucessivos episódios de admiração por outros músicos, com Delfins, Lena d’Água, Amarguinhas, um tributo lançado nos anos 90, mais adiante os Humanos e outros mais entre os quais, mais recentemente, Marisa Liz. A longa caminhada envolveu ainda uma reedição, no ano 2000, com um tema extra destas mesmas sessões de fevereiro de 84 (“Minha Cara Sem Fronteiras”), elevando-o gradualmente a um patamar que não só recuperou o invulgar caso de unanimidade que havia gerado (sobretudo entre 1982 e 83) mas também aquele raríssimo posto de referência cultural que hoje ninguém contesta.
Álbuns
1983. “Anjo da Guarda”
Tal como havia acontecido no single de estreia (produzido por Nuno Rodrigues), a estúdio foram chamados músicos para dar forma às ideias registadas nas cassetes caseiras nas quais António Variações registava as ideias para as suas composições e letras. Dessas maquetes caseiras, algumas só com voz e palmas, outras com caixa de ritmos, algumas com um teclado, outras mais ensaiadas com banda, surgiram canções que ganharam forma mediante descrições e sugestões do próprio Variações, contando depois com as contribuições de José Moz Carrapa (assinava então Zé Carrapa), Tóli e Vítor Rua, estes dois então elementos dos GNR. Aos arranjares juntavam-se ainda outros mais músicos, entre os quais Manuel Faria, Zé da Ponte ou José Carias, do esforço conjunto nascendo um alinhamento de “Anjo da Guarda”, álbum que ora celebrava visões pop luminosas, marcadas pelo muito peculiar sentido de humor de um observador de comportamentos e heranças dos jogos de palavras dos ditados populares – como “O Corpo É Que Paga”, “É Pr’a Amanhã”, “Quando Fala um Português”, “Linha Vida” ou “Onda Morna” – ora apontava a azimutes bem distintos, por mergulhos mais introspectivos pelas profundezas da alma – “Sempre Ausente”, “Anjinho da Guarda” e “Visões-Ficções”.
Pelo caminho voltava a surgir “Estou Além”, deixando de fora a canção imortalizada pela voz de Amália que tinha gravado no ano anterior. Esta, curiosamente, surgiria em destaque ainda mais evidente em “Voz Amália de Nós”, canção que a encara, mais do que uma mera referência pessoal, como um marco de toda uma cultura, a ela dedicando de resto todo o álbum, escrevendo na contracapa: “À Amália que sempre me deu e fez sentir a importância duma verdadeira identidade” (no fundo, a ideia central que todo o álbum traduz).
Título maior da história discográfica portuguesa, o álbum de estreia de António Variações (que precede em um ano o derradeiro “Dar e Receber”) abriu-lhe portas a um patamar de visibilidade que, nos meses seguintes, e enquanto a saúde lhe permitiu”, o levou a palcos por todo o país. Tal como havia acontecido em 82 com “Estou Além”, foram criados telediscos para “O Corpo É Que Paga” e “É Pr’a Amanhã”, peças que ajudaram a sublinhar uma iconografia que a própria capa do álbum e seu inlay entretanto haviam demarcado.
1984. “Dar e Receber”
Se para criar o álbum de estreia tinha contado em estúdio com elementos dos GNR e de outros parceiros como José Moz Carrapa, desta vez António Variações tinha consigo novos parceiros. Com ele estavam desta vez convidados como Eugénia Lima (acordeão) e Paulino Vieira (guitarra) e, como banda de apoio a toda a gravação, elementos dos Heróis do Mar: Paulo Pedro Gonçalves, António José de Almeida, Carlos Maria Trindade e Pedro Ayres Magalhães, com estes últimos a assumir a direção musical e produção. Em relação a estes últimos vale a pena lembrar que estava entre amigos já que, poucos anos antes, ainda em finais dos anos 70, António havia passado por uma audição para o lugar de vocalista dos Corpo Diplomático, a banda cujo fim abriu caminho ao núcleo fundador dos Heróis do Mar. E Rui Pregal da Cunha, a voz dos Heróis do Mar, que viveu de perto os ensaios na Cruz Quebrada que precederam estas sessões, chegara a ser convidado (embora não tenha podido comparecer) para acompanhar António, juntamente com Dino, para a célebre atuação no “Passeio dos Alegres” em 1981.
Mas o lote de músicos não trazia às sessões em Paço de Arcos a única das novidades mais visíveis. Embora a sua aparência física não o sugerisse, a saúde de António estava contudo já visivelmente debilitada quando, em fevereiro de 1984, as sessões em estúdio começaram a ganhar forma, o que condicionou o próprio ritmo dos ensaios (que decorreram, antes, na Cruz Quebrada) e as próprias gravações. Os músicos e demais profissionais que partilharam com ele estes dias recordam um processo feito com muito esforço, uma tosse muito presente, acabando por vezes os takes com o cantor ofegante. Sentia-se tensão, alguma em parte atribuída ao facto de entre o alinhamento a ser gravado figurar “Deolinda de Jesus”, uma canção sobre a própria mãe de António que, contou quem ali esteve, o deixava em lágrimas. Foram pouco mais de 20 dias de trabalho em estúdio, com uma reta final (dedicada à mistura) com a sua presença mais espaçada.
Terminado, o álbum mostrava novos caminhos para uma mesma voz criativa. Sob produção de Pedro Ayres Magalhães e Carlos Maria Trindade, valorizando mais ainda que no disco de estreia a presença dos sintetizadores, “Dar e Recber” aprofundou, com arestas sonoras bem trabalhadas, a construção de um invulgar retrato pop de uma figura de percurso raro. Das memórias de infância no Minho (a mãe, as romarias, os ditados populares) às vivências urbanas que somou depois entre várias geografias, o álbum mostrava-o a refletir sobre afetos, vivências, comportamentos, juntando desta vez às suas palavras as de Fernando Pessoa que escutamos em “Canção”. A “Canção de Engate” foi escolhida como tema de avanço para as rádios, surgindo numa altura em que António Variações estava já internado. A arte final da capa do álbum foi-lhe mostrada no quarto do hospital. A edição avança. Mas, na madrugada de 13 de junho, quando a cidade de Lisboa se deitava depois de uma noite de Santo António, a mais rara voz da pop portuguesa deixava-nos.
Compilações
1997. “O Melhor de António Variações”
2006. “A História de António Variações: Entre Braga e Nova Iorque”
2011. “António Variações” (Série BD Pop/Rock Português)
2014. “Essencial” (edição budget)
Singles
1982. “Estou Além / Povo Que Lavas No Rio”
1983. “É Pra’ Amanhã”
Singles promocionais
1983. “É Pra’ Amanhã” / “O Corpo É Que Paga” (Máxi-single)
1997. “O Corpo É Que Paga” (CD Single)
1997. “É Pra’ Amanhã” (CD Single)
2000. “Minha Cara Sem Fronteiras” (CD Single)