Ana Sofia Carvalheda recuou 40 anos, e em conjunto com Nuno
Rodrigues um dos fundadores do grupo, percorreu a história da Banda do Casaco….
Fique atento no próximo fim de semana, para a conversa alargada que Ana Sofia Carvalheda terá com Nuno Rodrigues, aqui na Antena1, a propósito dos 40 anos de som da Banda do Casaco
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"40 ANOS DE SOM" |
CD com o apanhado dos melhores temas do grupo nas lojas a 14 de Novembro!
DISCOGRAFIA INTEGRAL COM:
- Todos os 7 álbuns,
remasterizados em 2013 por José Fortes - Faixas extras ainda inéditas
- DVD «Banda do Casaco ao Vivo»
com gravações de concertos em 1975, 1977 e 1984 - Tele-discos e outras aparições
na TV - CD «Origens», com gravações
nunca editadas em CD dos projectos Musica Novarum, Daphene e Family Fair
Apresentada em 2
caixas de Luxo será editada a 25 de Novembro
Produção de reedição: Nuno
Rodrigues
Remasterização: José Fortes em 2013
Ilustração: Carlos "Zingaro"
Editção: C|NM
Pela primeira vez, em 2013, voltei a ouvir o que
aconteceu nos estúdios, quando os projectos foram fi nalizados.
A tecnologia evoluiu muito? Sim!
Mas para o José Fortes, só o ajudou a reencontrar o som
que sempre teve na cabeça e no coração, quando gravou o que fazíamos. Agora
tudo que tinha desaparecido aquando da transferência para os suportes, está
aqui.
Como é diferente e como a emoção é outra quando se ouve
tudo o que se fez.
Obrigado Zé.
Quem tiver um disco da Banda do Casaco, compare-o.
Nuno Rodrigues (Outubro de 2013)
T ive o privilégio de estar ligado à Banda do Casaco
desde o seu início e até hoje. Projecto musical que mais me fascinou em toda a
minha vida profi ssional.
Desde sempre percebi que o seu mentor, o Nuno Rodrigues,
mais do que música e textos criava emoções através de "sons e ilustrações
fonéticas", pena é que nem todos o tenham entendido.
Em 2013, já com uma "boa" idade, sinto a mesma emoção que
senti quando tinha uma "linda" idade.
Nuno, continuo fascinado.
"Fortes" e sonoro abraço.
José Fortes (Outubro de 2013)
"No 25 de Abril, eu estava na 1ª classe. Ainda que nesse
dia não tenha ido às aulas. Mas nos dias que se seguiram, as paredes das ruas
de Portugal encheram-se de escritos políticos de variadíssima ideologia, com
mais ou menos humor, de carregada militância mas também da mais pura
diletância.
Meses mais tarde reproduzi todos os que me pareciam mais
expressivos, independentemente da sua orientação partidária nas paredes da
garagem onde o meu pai guardava o carro.
A façanha valeu-me um pesado castigo por parte da
entidade paternal. Mas, por aqueles dias, eu tinha acabado de aprender a ler e
não resisti a reproduzir naquelas paredes a explosão de ditos, ditados e
dichotes que estilhaçavam as ruas de Cascais e do resto do país.
Oito anos mais tarde ouvi pela primeira vez a Banda do
Casaco, em casa de uns tios meus, no Porto. O grupo já era cultivado com fervor
pelos meus primos, todos mais velhos, mas só naquela ocasião gravei para uma
cassete o álbum Coisas do Arco da Velha. À época, a música não fl uía como hoje,
não estava em todo o lado e, sobretudo, não era gratuita.
Os discos eram caros, até no sentido em que eram difíceis
de encontrar. Possuir um vinilo, ou mesmo uma gravação em cassete, de um disco
era um ato devocional que obrigava o seu proprietário a assumir-se como o seu
principal promotor.
Ouvir «Morgadinha dos Canibais» e «Canto de Amor e
Trabalho» era para mim como aprender a ler nas paredes das ruas de Portugal.
Era qualquer coisa que estava muito para lá da mera descoberta, pois logo se
percebia que aqui era possível fazer coisas que agora faziam sentido. Ou mais
do que isso, tinham um sentido. Não fazia a mínima ideia de quem eram Fernando
Lopes Graça ou Michel Giacometti, que por mero acaso morava a uns poucos metros
de mim. Mas tornava-se muito fácil entender que aquela música, mesmo que
radicalmente minimal, como «Canto de Amor e Trabalho», assentava numa história,
não se remetendo a uma mera recolha. Como nunca antes, fi cava claro que essa
história encontrava na improvisação, no experimentalismo, no surrealismo, na
modernidade e na tradição toda a sua razão de existir. Naquele momento.
Afinal, essas são coisas sem tempo, inalteráveis, mesmo
que a conversa com um burro a caminho do sossego do lar, depois da jorna de
trabalho seja entrecortada pelo som de uma moto-rizada que passa a grande
velocidade.Quero dizer, convenci-me que era a música da Banda do Casaco que
pintava as paredes da garagem do meu pai. Sem destrinça partidária, no que os
fundadores Nuno Rodrigues e António Pinho estavam irmanados, afi rmava-se como
um es-paço único de Liberdade. O primeiro disco, Dos Benefícios de um Vendido
no Reino dos Bonifácios, vim a saber depois, tinha sido gravado e editado antes
de 1974. E lá já se encontrava o escárnio à religião, ao poder e ao dinheiro mais
o experimenta-lismo do violino de Carlos Zíngaro, as referências aos coros de
Lopes Graças, à música provençal, e, claro, à música popular que de ascendência
anglo-americana que então se começava a ouvir na rádio. Coisas improváveis que
em «Lavados, Lavados Sim» e «A Cavalo Dado» se constituíam como verdade.Porque
não temiam, antes pelo contrário, o embate entre coisas que nos são
apresentadas como opostos. Um exemplo escolhido entre mil: a cidade e o campo
estão claramente expostas em «É Triste Não Saber Ler», porque quer uma quer
outra não passam, muito provavelmente, de abstrações. Fa-zem parte do mesmo. O
pastoral som de um rebanho liga na perfeição com a improvisação de Celso de
Carvalho. E essa é a lição que se aprende ao escutar a Banda do Casaco. Tanto
pela primeira vez como hoje. É a mesma coisa.Decorre daí a primeira crítica ao
«desenvolvimento dos aconte-cimentos» em «País: Portugal», do álbum Hoje Há
Conquilhas, Amanhã Não Sabemos, publicado três anos depois do 25 de Abril. A
desilusão com este «país fardado à força, país fadado à forca» era a mais clara
explicitação da falta de adequação das soluções encontradas, incapazes de lidar
com a realidade ou entrando mesmo em choque com ela. Tal só é possível – essa
comunhão de opostos – por a Banda do Casaco ser servida pelos melhores músicos.
O que se vê perfeitamente daqui. Não seriam eles o mais importante senão a
própria ideia da Banda do Casaco. E por lá passaram Carlos Zíngaro, Celso de
Carvalho, António Pinheiro da Silva, José Eduardo, Carlos Barretto, Jerry
Marotta da banda de Peter Gabriel e um lote de cantoras do mais alto coturno
como Cândida Soares, Mena Amaro, Concha e Gabriela Schaff além de muitas outras
como Rita Rodrigues, fi lha de Nuno Rodrigues, em canções como
«Malfamagrifada». A voz de uma criança é, muitas vezes, imbatível a
desconstruir e também a congregar. Tal como as «ilustrações fonéticas» que fi
caram como imagem de marca da Banda do Casaco e que se ouviriam com igual
agrado nas canções de Liz Fraser dos Cocteau Twins.Mas poucas chegarão à altura
de Né Ladeiras, em "Argila de Luz", "Estranha Força" e "Ai se a Luzia" do álbum
Jardim da Celeste. Se o eclodir da rádio FM e do rock português teve evidente
repercussão no caminho da Banda do Casaco, é também por aqui e por esta altura
que se encontram os mo-mentos mais atmosféricos e de grande força telúrica,
anteci-pando aquilo que editoras como a 4AD ou bandas como os Dead Can Dance
viriam a fazer anos mais tarde. Mas que na Banda do Casaco seria magistralmente
concretizado em «Salvé Maravilha», do álbum Também Eu, perfeitamente alinhado
com a música popular mais exploratória produzida por aqueles dias.É desse maior
alinhamento com a música pop que nasce "Natação Obrigatória" e "Dono da Noite",
esta do álbum, Com Ti Chitas, o último publicado até hoje. Mas o contrário
também não deixa de ser verdade: é Ti Chitas, a pastora de Penha Garcia, que do
alto dos seus 70 anos brilha em "Consilação" quando apela à Virgem que mande
chamar a morte por entre um fundo de batidas partidas capazes de entusiasmar
um cultor de drum’n’bass ou dubstep. A Banda do Casaco é assim: o sítio onde o
eterno e o que é de hoje se encontraram, onde o povo e Deus tomaram lugar. E eu
não conheço outro som assim."
Miguel Cadete (3 de Outubro de 2013)