“Em toda a parte baqueia a muralha imperialista”. Começa assim o álbum Com as Minhas Tamanquinhas, de José Afonso, que vê novamente a luz do dia pelo selo Mais5. A remasterização de Florian Siller e o retratamento visual de João Morais sobre a arte gráfica original de João Azevedo completam a reedição deste disco: um dos álbuns mais criticados aquando da sua edição original, mas que o próprio José Afonso considerava um dos seus melhores.
Estávamos em finais de 1976, prestes a chegar ao fim dessa experiência maior da nossa vida política e cívica coletiva que foi o PREC; naquele início d’Os Fantoches de Kissinger, a mensagem das lutas internacionais que pareciam fazer vacilar o imperialismo era sobretudo o mote para um alerta face aos verdadeiros desafios que se nos colocavam: “Mas aqui também semeias / No pátio da tua fábrica / No largo da tua aldeia / A fome, a prostituição / São filhas da mesma besta / Que Kissinger tem na mão”. Aqui – e também mais à frente, em Teresa Torga: “Mulher na Democracia não é biombo de sala” – este disco expressa bem o humanismo universalista incondicional de José Afonso.
Gravado em Portugal, no seio do grupo com que então José Afonso trabalhava — e que incluía Fausto, Júlio Pereira, Vitorino, José Luís Iglésias ou Quim Barreiros —, este é um retrato vivo do período pós-revolução e do que lhe antecedeu: a libertadora mobilização comunitária, cantada em Índios da Meia Praia ou na Chula da Póvoa – sem filtros nem tibiezas sobre de que lado estava o cantautor. O conjunto de composições deste álbum de José Afonso brota da sua genial criatividade para, mais uma vez, fundir as suas diferentes facetas e influências, oferecendo-nos algumas das suas mais fortes criações de world music, como Em Terras de Trás-os-Montes ou Os Fantoches de Kissinger.