Ao longo de 2025, têm sido vários os especiais de João Gobern na rádio pública, dedicado a nomes tão díspares – e influentes – quanto Carlos Paredes, Debbie Harry, Jorge Palma e Stevie Wonder. A adição mais recente a essa lista, à semelhança do também contemplado Rod Stewart, torna-se esta semana octogenário: ninguém mais que Sérgio Godinho.
Um artista de “uma longevidade que, se não nos surpreende, nos motiva e conforta – está vivo e activo”, diz-nos a sinopse do programa que pode ser ouvido na Antena 1 esta semana. Em cinco episódios, para ouvir até sexta-feira (sempre pelas 9h40 e com repetição às 14h30), passamos em revista a história de um dos incontornáveis da música portuguesa. Dois compactos serão transmitidos nos próximos dois fins de semana, com data e hora a anunciar.
Ouça o programa abaixo e leia a entrevista da Antena 1 com João Gobern a propósito deste especial.

Antena 1: É possível identificar claramente o ponto de viragem (seja disco, seja concerto) em que percebeu que Sérgio Godinho seria para sempre “um dos incontornáveis”?
João Gobern: Um dos grandes privilégios é mesmo o da proximidade: cá por casa, ouve-se o Sérgio Godinho, com intensidade e insistência, há mais de 50 anos (sim, eu tenho 65…), desde a época em que os seus discos ainda eram proibidos. A consciência da grandeza do criador e intérprete, mas também do cidadão, foram – para mim – um processo rápido.
Quando foi pubicado o “À Queima-Roupa” (1974), com todas as urgências da época, já se percebia que estávamos em face de um terreno fértil. Quanto a concertos, talvez haja duas ocasiões que valeram essa ideia de “infinito”: a sua subida ao palco na primeira festa do jornal Se7e (1983), onde, lado a lado com os Trovante, o Sérgio estendeu às gerações mais novas um contrato (vitalício, espero eu) de compromisso com a Música Popular Portuguesa; e, depois, a sua conquista do Coliseu dos Recreios (1985, espectáculo “Era Uma Vez Um Rapaz”) para a produção nacional, uma vez que, até então, quase sempre os cabeças-de-cartaz vinham de fora.
Mas há, no percurso do agora festejado, um tempero quase único: a cada passo, em cada disco, há sempre novos sabores acrescentados – mas nunca enxertados – ao que já reconhecíamos como identidade ao Sérgio Godinho. Do tronco saem constantemente novos ramos, e novos frutos. Não há incompatibilidades entre coerência e renovação, entre personalidade e transformação. O Sérgio muda de companhias e de fato, sem mudar de facto.
Como está estruturado este programa? Parece tarefa hercúlea equilibrar todas as facetas de Sérgio Godinho: música, literatura, guionismo, teatro…
Todos esses aspectos são abordados ao longo das rubricas diárias, mas, como estamos em modo rádio, há um alvo evidente no “escritor de canções”. Não sei se a tarefa é hercúlea, mas exigiu um enorme esforço de síntese, para evitar falhas irreparáveis no caleidoscópio de canções que o Sérgio Godinho nos oferece desde 1971, ainda por cima contabilizando a “revolução permanente” que o homem aplica os seus discos – basta comparar…
Nesse sentido, e com a concordância da Antena 1, optei por preparar não um programa de fim-de-semana (o de 50 minutos), que corresponderia ao formato mais habitual, mas sim dois, absolutamente distintos entre si. Ou seja, vai aplicar-se uma estratégia que permitirá ouvir muito mais capítulos de um cancioneiro que tem horizontes muito largos. E, ainda assim, vai ficar a sensação, tão sergiana, de “hoje soube-me a pouco”… Já agora: a única outra ocasião em que, nestes especiais, se aplicou este “milagre da multiplicação” (dois, em vez de um), foi no momento dos 80 anos de Bob Dylan. O que também é um sinal exterior da enormidade de alcance de Sérgio Godinho.