“Foi a 11 de Novembro de 1975 que Agostinho Neto declarou, num histórico discurso, a independência de Angola, iniciando aí a nova era de um país a que Portugal está há muito ligado. Em Portugal, no ano anterior, o 25 de Abril representou igualmente uma cisão na história, marcando o início de uma era democrática que transformou definitivamente o país.”
Este é o mote para a estreia do novo programa de Rui Miguel Abreu. Depois de oito jornadas Num País Tropical, em 2022, o crítico musical regressa à Antena 1 para ir Em Busca das Canções da Liberdade: uma história contada em seis episódios, sempre ao fim de segunda-feira, depois das notícias das 23h. Sem abrir o jogo por completo, pedimos mais algumas pistas ao autor do programa.
“1975 era ainda um ano quente no que à questão da liberdade dizia respeito”, recorda Rui Miguel Abreu, que então tinha seis anos de idade. “Lembro-me bem de cantarmos algumas dessas canções no banco da escola. ‘Uma gaivota voava, voava'”, recita, evocando Ermelinda Duarte e o seu alegre manifesto em Somos Livres. Em casa dos pais, escutar José Afonso facilitou uma “tomada de consciência” mais rigorosa: a apetência da música como “veículo de liberdade. Lembro-me de ouvir o meu pai, a minha mãe e os meus avós dizerem que havia certas canções que não se podiam ouvir noutro tempo. Depois, é claro, celebraram a chegada de um novo dia em que já se podia ouvir todas elas.”
A cada 25 de Abril, Portugal recupera e abraça essas melodias: José Afonso, José Mário Branco ou Sérgio Godinho não são vozes que jazem num arquivo, estão vivas. Abraçá-las é reconhecer a luta, o poder do cravo. Mas porque é que restringimos este gesto à música dita nacional? “Nos últimos anos, graças à tomada de uma nova consciência no nosso país — de que é necessário um debate sobre este período da nossa história — fui lendo em cartazes de manifestações ou em posts de Twitter, o que vai dar quase ao mesmo, coisas como ‘o 25 de Abril nasceu em África’.” Vários impulsos não só para estudar a luta independentista, como escutar os discos que a serviram enquanto banda sonora.
Duo Ouro Negro paredes-meias com José Mário Branco
“O que eu tento mostrar com este programa é que essa pulsão faz parte de todos os povos, liga-nos a todos”, acrescenta. “Na primeira metade dos anos 70, também a África lusófona procura encontrar um lugar no futuro. A música refletia isso também.” Foi assim que, para Rui Miguel Abreu, nomes como Duo Ouro Negro, Cesária Évora, Bonga, David Zé ou Bana se tornaram companheiros de “Zeca e Zé Mário”: um cancioneiro de liberdade em franca expansão. “São artistas que lutaram por essa liberdade, e que fizeram do sonho dessa liberdade a grande inspiração para a música que criaram.”
Nos dois primeiros episódios de Em Busca das Canções de Liberdade, Angola é o território de investigação; depois, a série avança para Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau, e São Tomé e Príncipe. Rui Miguel Abreu decidiu “contar a história através dos artefactos que resistiram ao tempo e que permitem, como documentos que são, olhar para essa história” — ou seja, por via dos discos. Foi com a orientação de músicos e melómanos como Francisco de Sousa (Celeste/Mariposa), Milton Gulli (Cacique’ 97) ou Edgar Raposo (Groovie Records) que alinhavou esse percurso — mas não se trata de um trilho pelas raridades analógicas, perdidas nas areias do tempo. “Claro que muita desta música é rara, sobretudo na sua forma física, são discos difíceis de apanhar, mas a mim interessou-me mais pensar que há muito tempo que alguma desta música já não se escuta em rádio.”
“Isso agradou-me: trazer de novo para a conversa música que há muito está afastada das nossas atenções”, conclui. Na ressaca de abril, aproveitemos a nossa atenção redobrada à liberdade, e aprendamos novas melodias.
Texto de Pedro João Santos
Esta segunda-feira, depois das 23h, a Antena 1 emite o primeiro episódio de Em Busca das Canções da Liberdade. Um programa de Rui Miguel Abreu.