Apesar de mediaticamente mais discreta do que as músicas dos não muito distantes Senegal ou Mali (vizinhos relativamente próximos na África Ocidental), a produção musical do Gana tem histórias e sons que vale a pena descobrir. Há por um lado todo um corpo de tradições que recuam nos tempos, e que nas regiões a Norte se relacionam com formas e sons comuns a etnias da região e que, nas zonas costeiras, apresentam expressões distintas, mais próximas do que se escuta em Togo ou no Benim, embora partilhando a presença de instrumentos de cordas, de sopro e, sobretudo, percussões, ligando as criações de música a acontecimentos sociais (muitos deles de recreio) e também a fenómenos religiosos. Como sucedeu em tantas outras regiões do globo, as consequências culturais da colonização, aqui sobretudo no século XIX e, depois, a chegada do século XX, com o advento da música gravada, da difusão através da rádio e de uma progressivamente maior exposição a músicas de outras geografias, abriram caminho a várias gerações de diálogos que foram transformando formas, envolvendo outros instrumentos e criando assim vários espaços que foram definindo, primeiro, uma música popular e, depois, ligações com expressão local dos grandes movimentos e géneros com expressão global, como é o mais recente exemplo de uma cena hip hop local.
Uma primeira expressão de uma música popular do Gana nasce ainda no século XIX, em tempos da colonização britânica, cruzando formas musicais locais com instrumentos ocidentais. Esta música ganhou a designação de highlife, marcou presença em outros territórios então igualmente sob domínio britânico, e gerou linguagens que depois conheceram descendências diretas, já no século XX, perante a chegada de contactos com o jazz e novas formas de ‘música de dança’ de berço ocidental, entre as quais o swing. Estas formas mais festivas, associadas a salões de baile em cidades costeiras, contrastavam com outras, onde as guitarras tinham mais evidente presença, junto de músicos em zonas rurais.
Guitarras e metais ganhavam visibilidade em criações que então começaram a surgir em edições de discos de 78 rotações. E das afinidades com características identitárias das músicas, ora surgiram designações que espelhavam acontecimentos com outras geografias, surgindo então o ‘blues nativo’, ao mesmo tempo que, entre a diáspora, iam nascendo frutos diretos do highlife ora cruzados com o gospel ou, mais tarde, o funk e eletrónicas, nascendo, por exemplo, entre a comunidade emigrante na Alemanha, a designação de burger highlife. George Darko é uma das vozes que emerge entre a diáspora ganesa na Alemanha. Já no Canadá ganham visibilidade Pat Thomas, CK Mann e Jewel Ackah. Na Holanda destaca-se Kumbi Salleh. No Reino Unido destacaram-se Ambrose Campbell e o grupo Osibia. Joyce Blessing é, por sua vez, um nome a escutar entre uma nova geração (já do século XXI) que tem as heranças do gospel na base da sua música.
A independência do Gana, em 1957, que coincide com um tempo de explosão do mercado global da música gravada, vai abrir espaço a uma multidão de possibilidades. Por um lado há um incentivo a artistas que trabalhassem formas musicais mais próximas das culturas indígenas, surgindo inclusivamente várias bandas com apoio estatal. Por outro abrem-se novas frentes de cruzamentos entre tradições e músicos locais e ideias que chegam do outro lado do oceano, do jazz a músicas das Caraíbas. Entre os nomes que se destacam então está o de Emmanuel Tetty “ET” Mensah e o seu grupo, os Tempos, assim como Guy Warren, o baterista da banda. Dentro da paleta jazzy destaca-se o trompetista King Bruce. Na alvorada dos anos 60 ganha visibilidade a Ramblers International Dance Band, que junta 15 músicos profissionais que circula entre palcos e estúdios, gravando uma série de discos de referência.
Estas trocas ganham particular fôlego nos anos 70, com uma série de atuações locais de grandes nomes da música anglo-americana, sobretudo ligados à soul e ao funk. Esses contactos conheceram um momento de comunicação particular em Soul To Soul, um filme de 1971 que fixou episódios de um festival que, nesse ano, levou à capital do Gana nomes como os de Ike & Tina Turner, Wilson Pickett, Santana ou Roberta Flack. Do DNA do velho highlife surgiam expressões pop e uma multidão de novos artistas. Ao mesmo tempo floresce, na década de 70, um fenómeno revivalista, mais ligado às músicas de raiz, valorizando a presença das guitarras. Nana Ampadou e os seus African Brothers, assim como Alex Konadu ou Koo Nimo, são figuras que caracterizam este movimento.
Já nos anos 80 ganha igualmente expressão local um gosto pelo reggae (entretanto feito fenómeno global como efeito colateral da revolução punk entra a cena pop/rock ocidental). O reggae (e suas descendências e afinidades) juntamente com o hip hop estão depois na raiz de uma nova geração de músicos e formas, que definem então a cena ‘hiplife’, tendo em Jay Q um dos seus principais embaixadores. Este universo começou depois a partilhar o protagonismo do mapa musical local com uma cada vez mais proeminente cultura hip hop, ganhando inclusivamente uma designação: o gh hip hop, envolvendo nomes como Ball J, Jayso ou Joey B. Já na alvorada do século XXI há que acrescentar a esta história em permanente evolução o surgimento de uma série de descendências do afro beat.
Texto de Nuno Galopim