Quem em algum momento tenha intuído uma estranha música secreta produzida no interior da Terra pode acompanhar hoje ao fim da tarde a primeira de uma série de conferências on line de acesso livre promovidas pelo Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa. O chapéu largo da iniciativa acolhe uma abordagem da sismologia que abre múltiplos corredores entre a ciência e a sociedade. A professora Ana Ferreira, que há uma década dá aulas numa universidade londrina onde dirige uma equipa de investigação em sismologia global, dá hoje uma entrevista ao Diário de Notícias. Na entrevista, a sismóloga (cuja conferência nos convida a sondar o interior da Terra) explica o que a levou a estabelecer contactos profissionais com o pianista e compositor de jazz Liam Noble. Ela acredita que “a música e a sismologia têm muitas semelhanças” e isso não nos deve remeter para as notícias sobre a actividade sísmica registada no sismógrafo da Escola Delfim Santos e comprovadamente provocada pelo concerto de Taylor Swift em Lisboa. Nao é disso que se trata, mas da música que irrompe de cada abalo sísmico. Neste dia oficialmente consagrado à viola da terra, apetece ouvir um dos tangedores das ilhas, como lhes chamou Gaspar Frutuoso. O chão da Terceira tem revelado uma caixa de ressonância alta que parece pedir uma sapateia ou um pezinho com acordes dolentes da viola dos dois corações.
A sismóloga Ana Ferreira partilha hoje com o DN o seu desejo de vir a construir, na parceria com o pianista de jazz Liam Noble, “novas composições musicais com base nos sons de uma expedição marítima” que coordenou recentemente.
Ela acredita que “os dados sísmicos são no fundo como canções ou sons vindos do interior da Terra”.
Já cá não está a compositora Berta Alves de Sousa que em 1949 criou a versão para piano de um tema de pouco mais de dois minutos a que chamou Tremor de Terra. Composto com instrumentos sintéticos, o Tremor de Terra da pianista que estudou com Viana da Mota antes de dar aulas de música de câmara no Conservatório de Música do Porto, conheceria ainda, em 52, uma versão para orquestra.
Desconheço a existência de um registo sonoro desta criação da pedagoga e compositora que foi também, em meados dos anos 40, crítica musical do desaparecido “Primeiro de Janeiro”.
Mas gostaria de cruzar a partitura deste Tremor de Terra com o registo sismográfico do mais recente abalo no chão da Terceira.
Em fundo à conferência de logo à tarde da sismóloga Ana Ferreira faria soar o gemido dolente de uma viola da terra cruzado com a onda jazzística de Liam Noble, assim sondado o mais fundo e ígneo estremecimento da música sob os nossos pés.