1.
Ouvi falar dela, mas esqueci-me em algum momento da sua existência.
Trago-a neste postal graças a Rogério Charraz e José Fialho Gouveia que a lembraram num espetáculo no Tivoli, os “Anónimos de Abril”.
Faço-o também.
2.
Quero então falar-te de uma mulher muito bonita.
Uma mulher com um sorriso sempre disponível para sorrir, solícita e profissional, capaz de movimentar este mundo e o outro para satisfazer um pedido do General Humberto Delgado.
Chamava-se Aranjaryr Campos, era filha de um espanhol e de uma portuguesa, mas nascera no Brasil. Tinha 29 anos quando conheceu e aceitou ser secretária de Delgado, uns meses depois das eleições de 1958 que Salazar forjara em seu benefício.
3.
Fê-lo abnegadamente e muito rapidamente tornou-se muito mais do que uma secretária. Organizava toda a vida de Delgado, tornou-se rapidamente na pessoa em que mais confiava.
No final de 1961, no ano em que Portugal entra em guerra com os movimentos de libertação das colónias, acompanha Delgado a Portugal numa viagem clandestina.
O general desaconselha-a pelo risco tremendo, mas a jovem Aranjaryr, mesmo com uma filha pequena e dependente, decide que o valor do combate pela liberdade era mais importante do que a sua vida.
Entram clandestinos e dirigem-se para Beja onde Delgado sabe que será tentado um golpe com o objetivo de tombar a ditadura. O golpe é falhado e os dois conseguem escapar numa fuga épica que os levou ao Senegal antes de conseguirem regressar ao Brasil.
4.
Quatro anos depois, em 1965, viajam para Espanha. Tinham recebido uma mensagem, que consideraram segura, de militares opositores ao regime.
Foram, mas era uma cilada.
Quatro assassinos fizeram o trabalho sujo em nome de Salazar. Num caminho perto de Los Malos Pasos, nas cercanias de Badajoz, Delgado foi executado.
E ao seu lado estava uma mulher que não ficou para a história.
Uma anónima filha de pai espanhol e mãe portuguesa, mãe de Rosângela e secretária de Humberto Delgado.
Uma mulher bonita e idealista, profissional e corajosa, que naquela fronteira da morte entre a liberdade e a tirania, foi estrangulada por um agente da PIDE.
O seu corpo foi encontrado quase dois meses depois.
O dela e o do general sem medo.
Chamava-se Aranjaryr Campos.
Texto e programa de Luís Osório
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