1.
Querido António João,
Falta pouco para a tua/nossa seleção nacional entrar novamente em campo. O país espera uma vitória e os quartos de final – é extraordinário como nós portugueses fazemos do futebol uma rampa de salvação para tudo o que nos corre bem e mal, para todas as frustrações e ressentimentos.
Olhamos para o futebol sem qualquer condescendência. Como se fosse normal termos indústrias no topo do mundo, como se fosse corriqueiro Portugal lutar pela vitória em todos os tabuleiros de todos os jogos da vida.
2.
Falo hoje para ti, António.
Talvez o país não consiga imaginar o que sofreste nestes dias.
As lágrimas de tristeza quando ficaste sozinho depois daquele último jogo. O abraço dos teus colegas, o quereres fugir outra vez para Penalva do Castelo para abraçares a tua mãe Rosa e os teus amigos de infância que ainda ontem jogavam contigo no campo da Cerca nos arrabaldes de Viseu.
3.
Já deves estar equipado e convencido de que dificilmente sairás hoje do banco.
Mas é indiferente para o que te desejo dizer, António.
Tens 20 anos e perdeste a voz fininha do início da adolescência – lembras-te?
Não foi há muito tempo, os teus amigos de Penalva chamavam-te Joãozinho, o “Tonito das Babes” por que tinhas uma lata enorme com as miúdas, metias conversa com o teu sorriso e uma bola debaixo do braço.
Lembras-te quando uma vez te tiraram a bola e tu subiste para cima de umas pipas que estavam empilhadas umas nas outras? Tiveram de te devolver a bola com o medo que te partisses todo.
Lembras-te de quando vieste viver para o centro de estágio do Benfica aos 11 anos? Do que sofreste com a falta dos pais, dos amigos e das conversas que metias com as colegas?
Voltaste para Penalva e nos abraços da mãe Rosa ganhaste a força para alcançar o topo – lembras-te, António?
4.
Não leves a peito o mal que te disseram.
Repara, até o Cristiano é atacado todos os dias por gente que disfarça as suas frustrações dizendo mal dos outros, sobretudo dos que têm sucesso.
Não leves a peito e volta mais forte.
Um dia vamos almoçar e irás contar-me da importância destes dias, da força que te deram para cumprir o teu destino.
Só tens 20 anos.
Já não tens a voz fininha, já não és magrinho como antes, já não te tratam por Joãozinho, mas ainda és o menino que precisa do abraço da mãe Rosa.
Recebe o meu também, António.
Do meu e de muitos milhares de portugueses como eu.
És grande e agora és ainda maior.
E promete-me que hoje, depois de festejarmos todos a vitória contra a Eslovénia, voltas ao teu sorriso e à tua passada larga que te tem ajudado a conquistar o mundo.
Eu acredito, António.
Texto e programa de Luís Osório
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