1.
Bárbara Guimarães completou 50 anos.
Uma idade de balanço, de meio de vida, a última hipótese de ainda podermos olhar para o passado tendo ainda caminho para ser caminhado.
Não sei se a popular apresentadora o fez, mas o seu exemplo é para mim claro sobre a maneira como ainda vemos o mundo, como ainda somos (mesmo que inconscientemente) conservadores e bastante misóginos.
2.
Bárbara foi, juntamente com Catarina Furtado, a apresentadora mais popular da televisão portuguesa após o aparecimento dos canais privados.
Bonita, luminosa, simpática e plástica na maneira como se adaptava aos formatos que lhe pediam.
No Chuva de Estrelas ganhou o amor do país mediático e entretido, mas no programa com António Vitorino D’Almeida provou que era possível juntar a erudição ao esforço de conquista de audiência.
Foi a apresentadora das apresentadoras dos Globos de Ouro da SIC, mas aceitou fazer programas culturais como a Sociedade de Belas Artes.
Bárbara Guimarães tinha o mundo aos pés, as audiências disparavam quando aparecia, a sua popularidade parecia indestrutível.
3.
Depois casou com um ministro da República.
Um professor de Filosofia, intelectualmente arrogante, vaidoso, mas que lhe permitiu, mais uma vez, jogar entre dois mundos.
Manuel Maria Carrilho oferecia o que ela não tinha.
E Bárbara Guimarães oferecia o que ele também não tinha.
Um amor celebrado com pompa e circunstância e valorizado no país – a revista que publicou o exclusivo do casamento bateu recordes de vendas e publicidade.
Bárbara Guimarães somava e seguia no seu imparável trajeto.
Se Catarina era a “namoradinha de Portugal”, Bárbara era a “Sofia Loren portuguesa”, sensual, simpática, positiva.
4.
Começaram a surgir as primeiras notícias de que o casamento não era um mar de rosas e champanhe.
Depois começou a falar-se de violência doméstica.
Depois de coisas concretas, diálogos, uma exposição dramática de intimidade.
Depois os tribunais, os relatos dos filhos, a vingança do marido falando das fragilidades da mulher a quem jurara proteger.
Nunca mais a vida foi a mesma.
Bárbara foi ao inferno e tentou regressar ao paraíso.
Várias vezes voltou à televisão.
Mas o encanto perdera-se.
Bárbara continuava a fazer bem as coisas, continuava a sorrir como antes, continuava uma mulher bonita apesar do tempo ter passado, continuava a dominar os tempos, mas as audiências nunca mais se aproximaram aos valores do passado.
5.
O que quero dizer com isto?
Exatamente isso que estás a pensar.
Alguns dos que a deixaram de ver não fizeram por mal, mas as coisas são o que são, a sociedade portuguesa continua a ser falsamente progressista entre os progressistas e cruelmente conservadora entre os que não sabem o que são.
Bárbara Guimarães sofreu muito.
O marido foi acusado e condenado por violência doméstica. Ameaçou-a, pressionou-a, amedrontou-a. Todos vimos os relatos e as transcrições no julgamento.
Pensava eu que pudesse ser um exemplo da coragem de uma mulher que, sendo uma figura pública, ousou gritar que já não dava mais.
Mas não.
O que aconteceu foi o contrário.
Os portugueses, que antes a escolheram como figura preferida, deixaram de a ver depois de saberem que tinha sido vítima às mãos de um marido.
Deixaram de a ver quando perceberam que era vulnerável, que se perdera em sofrimento, que talvez até pudesse ter culpas no cartório pois, afinal, há sempre duas verdades.
Bárbara Guimarães é um caso simbólico que prova a dificuldade enorme que uma parte de nós tem de aguentar a vulnerabilidade. Assim como prova a dificuldade de outros em aceitar que uma mulher possa e deva ser dona do seu destino.
E isso é muito triste.
Texto e programa de Luís Osório
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