A Cidade Invisível – como programa de rádio e podcast – nasce inspirada por uma TED Talk com o mesmo nome dada pelo António Brito Guterres por volta de 2016. Mostrei-a ao João Pedro Galveias que, tal como eu, ficou completamente surpreendido com o que o António revelou. E, de facto, concluímos que há uma grande franja da nossa sociedade que circula diariamente entre nós, mas que mal a vemos. Não porque seja de facto invisível, mas porque desviamos o olhar. E resolvemos que tínhamos de corrigir isso.
Contactámos o António que se revelou imediatamente aberto a uma conversa connosco. Contactámos a direção da Antena 1 que desde o primeiro minuto mostrou interesse no carácter de serviço publico que um conteúdo deste género podia ter. Com o António visitámos bairros periféricos e contactámos com esses “invisíveis” que nos rodeiam, olhando para eles pela primeira vez com “olhos de ver” e encontrando uma realidade que desconhecíamos. E cada contacto só reforçava a necessidade de também mostrar aos outros aquilo que descobríamos.
Em finais de 2019 foi para o ar a primeira emissão do programa, com o José “Duba” Barradas, do Bairro da Cruz Vermelha em Cascais. E foi logo um “chapadão”, desmistificar Cascais como uma zona conhecida pela concentração das classes mais privilegiados e entender como, de um bairro “problemático”, saiu afinal o nosso primeiro campeão europeu de Muay Thai. E a história do “Duba”, de como foi obrigado a entender os meandros da burocracia do estado para pôr de pé o seu sonho, emociona. Criou o Cascais Fight Center com o intuito de, através do ensino e prática das artes marciais e dos desportos de combate, desenvolver socialmente jovens em situação de risco. Ao visitar o ginásio do Cascais Fight Center encontrámos lado a lado e sem qualquer preconceito, jovens do bairro e “tias”. O que o “Duba” conseguiu não foi só a atração dos tais jovens em situação de risco. Conseguiu desmistificar preconceitos, combater o racismo e mostrar que a força de uma comunidade unida em torno de um objetivo é algo imensurável.
Essa mesma força fomos encontrando sucessivamente: a Nídia do Vale da Amoreira, DJ e produtora aplaudida pelo The Guardian e cujo álbum de estreia foi considerado pela Rolling Stone um dos 5 melhores álbuns de música eletrónica de 2017; o Nininho Vaz Maia da Curraleira, entrevistado antes de se tornar a estrela “pop” que merecia ser; o Moin Ahmed da Mouraria; o Loreta de Mira Sintra; o Primero G, a Janeth Tavares, o Machine… tudo gente que soube romper o círculo de preconceito que os rodeia e afirmar e partilhar valores positivos que tornaram todos mais ricos.
Mas quem mais enriqueceu fomos sem dúvida nós, que vimos como eles vencem dificuldades que são para nós facilidades adquiridas, desde não poderem vir à entrevista agendada uma semana antes porque lhes mudaram o turno na véspera a terem número e telemóvel, mas não responderem às chamadas por saldos mínimos; problemas que nos parecendo menores, afetam terrivelmente as suas vidas.
Aprendemos a olhar para quem nos rodeia com respeito e gratidão pelo que fizeram pelo Portugal do Século XXI, o tal que está na moda e cuja singularidade atrai turistas e receitas de todo o mundo, salvando-nos da recessão. Uma nação multirracial e multicultural em que tanto a Moamba africana como o Caril indiano, o Bakró cigano ou o Falafel árabe são “pratos do dia” que ombreiam por igual com o Cozido à Portuguesa ou a Sardinha Assada. Em que o funaná, o lundum, o kuduro e o rap crioulo se fundiram com a música portuguesa e influenciam toda uma nova geração de portugueses.
É essa riqueza que tentamos partilhar semanalmente com o auditório da Antena 1 e da RDP África desde Novembro de 2019. E sentimos o facto de a “Cidade Invisível” ter ganho o Prémio Sapo 2020 para “Podcast do Ano” como uma homenagem aos protagonistas que nos enriquecem todas as semanas.