1.
Caro Ivo Lucas,
Permite-me que te trate por tu.
E espero que não o vejas, que não o sintas, como paternalismo – deves estar bem farto disso, farto de ver gente a cochichar quando passas, a olharem-te de lado ou a dizerem que não tens culpa nenhuma, que acontece, que gostam muito do teu trabalho.
Não sei qual das coisas é pior.
Não consigo sequer colocar-me no teu lugar ou avaliar a situação.
Mas permite-me que te trate assim, como se te conhecesse.
2.
Sei que os teus advogados preparam ou já apresentaram recurso da decisão do juiz. Multiplicaram-se as notícias sobre o teu desejo de ver repetido o julgamento do processo pela morte de Sara, a tua Sara que viste partir naquele dia de tempestade.
Imagino que queiras limpar o teu nome, que não suportes a ideia de estares associado a uma culpa que acreditas não merecer. Mesmo que tenhas sido condenado a uma pena suspensa, mesmo que todos tenham sido condenados numa decisão salomónica, tens toda a legitimidade para não quereres isso, para não conseguires viver com esse peso.
3.
Peço-te ainda assim que reconsideres.
Peço-te ainda assim que traves o processo, que não vás em frente, que deixes as coisas como estão, sem mais.
Podes sentir que há coisas a reparar, que a tua vida não é um pormenor, que a tua honra é importante, que o teu nome é a única coisa que realmente tens.
Mas podes deixar como está?
Porque sendo isso tudo verdade, também é verdade que há outras pessoas envolvidas.
Os pais da Sara que terão outra vez de regressar ao inferno.
Os irmãos da Sara, os amigos, os teus amigos.
Deixa ficar como está, fá-lo também pela Sara.
Pela memória dessa menina que será jovem para sempre.
Fá-lo por ti para que possas recomeçar a vida.
Não voltes à tempestade porque o regresso da chuva impede-te de voltares à estrada, ao caminho que está à tua frente, ao que ainda nem sequer sabes que está guardado para ti.
Aí sei do que falo.
Sem abrirmos a janela para o mundo, sem abrirmos os estores e deixarmos entrar a luz, o mundo e a luz não se abrirão para nós.
Caro Ivo Lucas, um abraço.
Deixa como está.
Texto e programa de Luís Osório
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