1.
Numa marcante entrevista de vida de João Pacheco a Maria do Rosário Carneiro, no “Expresso”, o excelente jornalista, filho de Fernando Assis Pacheco, recorda Camarate e a morte de Adelino Amaro da Costa, irmão da sua entrevistada.
Lembra também Francisco Sá Carneiro e Snu Abecassis e acrescenta que outras pessoas morreram sem se referir a nenhuma delas.
Mais quatro pessoas morreram na tragédia, figuras esquecidas. Fico sempre triste e pensativo pela constante falta de memória em relação a um desses não lembrados.
2.
É que António Patrício Gouveia era uma figura marcante.
Inteligente, com um enorme sentido de humor, preparado, curioso, simpático e boa figura e o político mais próximo do primeiro-ministro.
António tinha 32 anos acabados de fazer e era chefe de gabinete de Sá Carneiro.
Gostava de dizer que da vida desejava tudo – contribuir para o país, ver crescer os filhos, escrever livros, ser jornalista, ser o que em cada momento Deus ou o destino se encarregasse de lhe propor.
Foi um dos mais jovens fundadores da SEDES, do “Expresso” e do PPD – entre os 23 e os 25 anos ajudara a fazer nascer três âncoras importante para a democracia portuguesa.
Licenciara-se em Economia e adorava viver depressa, era um mantra não deixar para amanhã o que poderia fazer hoje.
Casou jovem com Maria Margarida e festejaram o nascimento de três filhos: Tiago, Salvador e Madalena que acabara de fazer dois anos quando o pai morreu.
3.
Revolta-me o esquecimento quando este é injusto.
Percebo que a morte de Sá Carneiro e Snu tenha uma importância esmagadora.
Percebo que a partida do então ministro da Defesa, Amaro da Costa, o mais brilhante dos democratas-cristãos, tenha também uma relevância que ajuda a secar à volta.
Mas António era brilhante e podia ter sido tudo.
Primeiro-ministro.
Presidente do PSD.
Diretor do “Expresso”.
Presidente da República.
Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Sá Carneiro não fazia nada sem o consultar, sem ouvir a sua opinião.
Morreu na tragédia de Camarate.
E os seus três filhos não se lembram de o ter conhecido.
Sabem pelos rodapés da história quem foi.
Sabem pela mãe o que ele era quando era.
Sabem pela tia, Teresa Patrício Gouveia, como e com quem brincava em criança, se era mimado, dócil ou um adolescente difícil.
Quando recordares Camarate pensa que existia nos escombros o corpo de um jovem que a maioria achava que se iria cumprir e ser um dos melhores portugueses.
É justo que o façamos.
Texto e programa de Luís Osório
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