1.
Tinha vindo do funeral de Artur Jorge.
É bem capaz de lhe ter dado para a melancolia, afinal o tempo passa tão depressa e ele próprio tem já 61 anos.
Parece mentira como tudo foi rápido e intenso – nesse final de manhã despediu-se de Artur Jorge que o seu pai conhecia muito bem e seguiu para Setúbal, o único lugar em que se sente verdadeiramente em casa.
Está há mais de duas décadas fora do país.
Vários anos em Londres, Milão, Madrid e Roma. Há quem diga que pode ir viver para a Arábia Saudita, Munique, Paris ou regressar a Londres, mas naquele final da manhã pegou no carro e foi para a sua cidade.
2.
Pensou ir para casa.
Pensou até poder ir à missa ou passar pelo cemitério para visitar os seus, pode bem ter recordado os almoços em família, chocos com batatas fritas e futebol à mesa quando o pai estava.
Foi com ele que foi à bola pela primeira vez.
Foi com ele que aprendeu a ser do Vitória de Setúbal.
Foi no Estádio do Bonfim que sofreu ao vê-lo na baliza e depois no banco como treinador.
Foi ali que jogou na equipa de juvenis depois de ter passado pelos iniciados do Comércio e Indústria.
3.
Tinha vindo da despedida do único treinador que, juntamente com ele, ganhara uma Liga dos Campeões pelo FC. Porto.
Pegou no carro e dirigiu-se à sua casa de Setúbal, uma moradia virada para o mar que talvez o obrigue a passar pela Avenida que tem o seu nome.
Quando ali está vem-lhe à cabeça a infância. As correrias com os amigos, os passeios com a mãe pelo Mercado do Livramento, tudo.
Não lhe passaria pela cabeça de criança que um dia conquistaria tudo o que um treinador pode ganhar – ligas dos campeões, campeonatos em vários países, um exército de seguidores que o veneram, um exército de seguidores que o detestam.
Nunca imaginaria que um dia seria milionário.
E um dos portugueses mais conhecidos internacionalmente em toda a nossa história.
4.
José Mourinho não fez nada do que pensara nesse dia nostálgico.
Dirigiu-se por impulso para o Estádio do Bonfim, comprou o seu bilhete e sentou-se como um qualquer para ver o Vitória de Setúbal-Sintrense da 3ª Divisão portuguesa.
Ficou sentado e sozinho durante o jogo.
Foi simpático para quem o abordou e ficou imerso nos seus pensamentos durante 90 minutos – porventura à espera de ver o seu pai no banco ou na expetativa de ter de se levantar à pressa por a sua mãe, Maria Júlia, ter já o almoço à sua espera.
O Setúbal ganhou ao Sintrense e só depois José correu para casa… como se tivesse pressa de chegar à mesa sempre posta.
Texto e programa de Luís Osório
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