1.
Passaram já quase três anos pela morte de Jorge Sampaio.
É quase bizarra a forma rápida como isto passa – em miúdos não tínhamos esta noção, mas quando envelhecemos o relógio anda mais depressa.
Foi anteontem ou na semana passada que estive no antigo Museu dos Coches para me despedir de um homem que admirei.
Um homem que foi corajoso sem nunca ter deixado de ser sensato.
Foi líder dos estudantes durante a crise académica de 1962, mas com a capacidade de criar pontes de entendimento com Marcello Caetano, na altura Reitor da Universidade de Lisboa.
Como jovem advogado defendeu presos políticos, arriscou o exílio, temeu pela vida, mas seguiu sempre o que achava ser o correto.
2.
Conhecemos o percurso de Jorge Sampaio.
O seu legado como Presidente da República.
O consenso sobre a sua seriedade, o seu idealismo informado, o seu respeito pelas instituições.
Não seria necessário fazer o enquadramento, mas fica feito.
Posso então voltar ao Largo do Picadeiro, antigo Museu dos Coches. Entrei e estava Maria José Ritta com os seus dois filhos, André num lado e Vera no outro.
Ali receberam todos os que quiseram despedir-se de Jorge Sampaio.
Todos.
Figuras do Estado, figuras da história, todos os cidadãos. Sem fazerem a distinção hierárquica, sem negarem um aceno, um aperto de mão e o agradecimento por terem ido despedir-se do marido e do pai.
Impecáveis na dignidade.
Com as pernas a vacilar, com o cansaço no rosto, com a tristeza no corpo, mas até ao fim, até ao fecho das portas, em pé.
Sem vacilar, sem um queixume, sem uma má palavra, sem nunca se sentarem.
3.
Maria José Ritta nunca mais apareceu depois desse dia.
Passaram quase quatro anos. Para ela o tempo congelou ou, de uma outra maneira, congelou a sua relação com o mundo fora do seu mundo íntimo.
Maria José é uma mulher forte com uma personalidade obstinada. E sem paciência alguma para os jogos florentinos da política.
Sem paciência para gente que se põe em bicos de pés, para gente que diz uma coisa à frente e outra por trás, sem paciência para os que mudam de opinião ou para as conversas de circunstância que agora já não tem de aturar.
Numa época de tanto ruído não nos esqueçamos que a nossa história contemporânea pôde contar com Jorge Sampaio e uma família que soube manter a dignidade em todos os momentos.
Um abraço, Maria José.
Um abraço André e Vera.
Um abraço, caro Presidente Jorge Sampaio.
Texto e programa de Luís Osório
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