1.
Tenho orgulho na história do meu país.
Não a quero mudar, embelezar, maquilhar, tornar fofinha.
Fomos e somos tudo e o seu contrário.
Enormes e medíocres.
Corajosos e cobardes.
Generosos e egoístas.
Descontraídos e melancólicos.
Temos gente que nos orgulha e nos envergonha.
Gente que nos fez gigantes e gente que nos empobreceu.
2.
Somos os que partiram à conquista do mundo e os que ficaram a dizer mal dos que partiram.
Inventámos mares nunca dantes navegados, mas fomos os últimos a fechar as portas aos escravos.
Somos os que mataram a pena de morte antes de quase todos, mas também os últimos a abrir mão das colónias.
Fizemos uma revolução quase sem mortos, mas dividimos o mundo em dois dispostos a dizimar os pobres diabos que íamos conquistando
Tornámo-nos mestres no jogo duplo, enganámos os castelhanos e mantivemos com engenho a nossa independência, mas somos mestres na arte de nos tratarmos mal uns aos outros.
3.
Somos o país de Cristiano Ronaldo, mas a maioria de nós já só o deseja ver pelas costas.
Tornámos o futebol a única indústria em que ganhamos à maioria dos países poderosos, mas o futebol une-nos na vontade de dizer mal, de criticar, de acharmos que faríamos melhor do que aqueles que lá estão.
Temos dois prémios Nobel, mas a um criticámos pela lobotomia e a outro por não saber pôr vírgulas.
Temos um Salgueiro Maia e um Zeca Afonso, mas morreram os dois na miséria.
Temos um Camões, mas esquecemo-nos que este era o ano 500.
E temos um Pessoa, mas em vida os que foram ao seu funeral deram-se ao trabalho pela caridade de se despedirem de um bêbado adorável.
Fomos o país onde nasceu Aristides Sousa Mendes e Salazar.
Onde D. Afonso Henriques enfrentou a mãe para ganhar a terra. Onde elevámos à santidade um sanguinário como D. Nuno Álvares Pereira e tornámos herói um desequilibrado como D. Pedro e só por causa de Inês.
Somos românticos, pelamo-nos por uma boa história.
Sempre tivemos tendência para o drama, para a choradeira e para os homens baterem nas mulheres.
Orgulhamo-nos de sermos pobrezinhos e honrados. Vivemos com Deus na boca, mas afundados em pecados morais. Adoramos o fado e somos atrevidos, veneramos Fátima e os Pastorinhos, mas nunca deixámos de frequentar a Santa da Ladeira, o Zandinga e as casas de meninas.
4.
Somos o país de Mestre de Avis e do Infante D. Henrique.
Matámos só pelo prazer de matar. Somos racistas dóceis, mas somos racistas.
Roubámos, pilhámos, destruímos, violámos, corrompemos.
Mas também construímos, sonhámos, fizemos bem e imaginámos uma língua só nossa.
Ter orgulho no país é tudo isso.
É ser parte deste circo humano feito de coração e intestinos, de sangue e da putrefação.
Não quero pedir desculpa pelos meus antepassados.
Não quero apagar os “maus”, as iniquidades e o fedor a culpa e a morte.
Sou português por inteiro.
Assumindo o mal que fizemos, tentando estar na barricada justa, combatendo pelo progresso ético e moral, celebrando os que se distinguem, os que nos orgulham, fazendo a minha pequenina parte.
Não há nada a reparar no passado.
Há um presente e um futuro para construir melhor.
Para fazer melhor.
Para ser melhor.
Texto e programa de Luís Osório
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