1.
Conheci Nuno Morais Sarmento muito superficialmente.
Enquanto ministro de Durão Barroso convidou-me, por influência de Helena Vaz da Silva, para um grupo de reflexão sobre o serviço público de televisão.
Depois trocámos palavras em dois ou três momentos.
Pareceu-me sempre uma figura interessante.
Um homem inteligente que parecia passar pela vida com a arrogância de dela não depender – de famílias privilegiadas fazia por se distanciar dos paradigmas, não era a personificação do “menino bem”, quando o víamos parecia carregar um peso que precisava de exorcizar.
Revelou publicamente um passado em que foi dependente de droga. Fê-lo antes de ser nomeado ministro, antecipou-se a qualquer notícia que pudesse sair, fez o que tinha a fazer, mas com dignidade e enorme coragem pessoal.
2.
Tornou-se influente no PSD.
Foi um ministro e é um advogado requisitado, mas há sempre nele uma sombra.
Um ruído.
Uma reticência.
Um “mas” que parece trazer à lapela.
Um pecado por redimir.
3.
Ofereceu o seu tempo a causas que fez questão de apoiar. Deu apoio jurídico gratuito ao Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão ou em associações de prevenção da toxicodependência.
E ao mesmo tempo fazia boxe em ginásios habitados por vencidos.
A sua vida é estranha.
Não pela estranheza de alguma coisa por dizer, mas pela incrível soma de pequenas tragédias que o foram travando, como se a vida lhe dissesse que não pode tudo, que não lhe é permitido tudo.
A entrevista que deu a Vítor Gonçalves na RTP foi, desse ponto de vista, reveladora.
Contou dos motivos para ter desaparecido mais uma vez nestes últimos anos.
Vários meses nos cuidados intensivos, vários meses entre a vida e a morte com um cancro no pâncreas.
Vários meses a ver o seu corpo a rebentar por dentro, o seu olhar a encovar, doze cirurgias, dezasseis anestesias gerais, uma dor permanente e inconcebível.
4.
Nuno Morais Sarmento não tinha de o revelar, mas voltou a dar a cara.
A dizer que não há nenhum dia em que não tenha dores.
A dizer que nunca se esquecerá do olhar do filho quando os médicos lhe pediram para se despedir do pai.
A dizer que não viu nenhum túnel por que se calhar não irá para o Céu.
Estive poucas vezes com Nuno Morais Sarmento, mas gosto dele.
Gosto de pessoas assim.
De gente que vive em combate pela vida e com a vida.
Talvez o Céu seja isso.
Texto e programa de Luís Osório
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