1.
No final do ano passado, Manuel Luís Goucha deu uma rara entrevista.
Sentou-se no lugar dos seus convidados e respondeu às perguntas que lhe fizeram.
Impressionou-me muito pela coerência, por jogar um jogo que não é o das estrelas, que não é o de maquilhar a verdade ou de a tornar fofinha, digna de pena ou credora de afeto.
Em Goucha nada disso existe.
2.
Forte o modo como falou do seu pai e da sua ausência.
Lembrou que quando assumiu a sua homossexualidade, o pai respondeu com um “então temos um maricas na família?”.
Manuel Luís recordou o episódio com os olhos brilhantes, percebeu-se que não lhe foi indiferente, que talvez a voz daquele homem a quem nunca conseguiu amar, tenha habitado a sua cabeça durante uma parte da vida…
…então temos um maricas na família?
Pergunta cheia de juízos que nem por um segundo o fez vacilar.
Vivia em Coimbra e veio de comboio para Lisboa, tinha 17 anos.
Com uma bagagem quase vazia, mas mais forte do que alguma vez imaginara. De consciência tranquila e a jurar a si próprio que nunca mais se iria esconder.
3.
Admiro o Manuel Luís Goucha por ter sido sempre alguém que pensou pela sua cabeça.
Um homem que nunca foi no rebanho, mesmo quando lhe seria mais fácil ir no rebanho.
Que soube construir uma vida e uma família com a capacidade única de ser o que o público espera que seja sem nunca deixar de respeitar aquilo que é e pensa.
Pode ser espalhafatoso, mas há sempre um silêncio no que é.
Pode apresentar reality shows, mas nunca se deixa dominar pela ditadura da superfície.
Pode ser amado pelo povo mais humilde, mas sem nunca perder o pé ou abdicar de mostrar conhecimento e uma cultura que o distingue.
4.
Pensa pela sua cabeça e assume os riscos por isso.
Algumas associações LGBT criticam-no pela sua ausência militante, algumas pessoas de esquerda criticam-no por ele não
ser de esquerda, alguns preferiam que fosse domável, que fosse previsível, mas Manuel Luís Goucha não o é.
E isso é raro e nunca o impediu de se assumir e de influenciar o combate contra os preconceitos.
Já passaram 50 anos desde aquela frase do seu pai.
Sim, é verdade.
Havia um maricas na família.
Mas o maricas não era o Manuel Luís, o filho que ele deveria ter abraçado e agradecido ao Deus a quem rezava.
Texto e programa de Luís Osório
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