Perto de Alvarrões, no miolo da serra de São Mamede, há um sítio plano. Chamam-lhe “o jogo da bola”. As vacas vão lá pastar.
Neste 8 de Março, manhã cedo, os meteorologistas anteviam a possibilidade de queda de neve na serra. Os dentes batiam a 5 graus quando me encontrei com o sociólogo rural Abílio Amiguinho, doutorado em Ciências da Educação, especializado em formação de adultos. O autor de “Ai, Alentejo… memórias rurais” coordenou o projecto de escolas rurais no nordeste alentejano. Também por isso, conhece bem a serra, mesmo se a sua infância correu entre trovoadas e sons de chocalhos na aldeia de Santa Eulália, no concelho de Elvas. Abílio Amiguinho conhece o canto dos sisões e as belas palavras de que se faz o chão: bredos, ansarinhas, tengarrinhas, alabaças. Conversamos durante meia hora em pleno asfalto, num trecho de estrada em plena serra. Durante a conversa nunca passou um carro. Foi lá no alto, de onde se vê a barragem da Apartadura.
A conversa foi sempre embalada pelo ruído do vento, bravio.
Abílio Amiguinho, o homem que ajudou a produzir ferramentas teóricas para a mudança no mundo rural, não precisa de manuais para ler a paisagem da serra de São Mamede. Duas voltas adiante é a casa de Gracinda, 81 anos, viúva. Nunca daqui saiu. Está ao portão com os cães e com a vizinha Joaquina, modista
E lá vai, com um carro de mãos no qual transporta o filho pequeno, Leonor, que veio de longe. Tomou-se de amores pelo lugar onde construiu casa. O paraíso de Leonor é aqui, na Fonte da Mulher e nas voltas da serra
Leonor gosta de procurar plantas com as quais há de tingir a lã das ovelhas do professor Amiguinho.