1.
Marco Paulo tem quase 60 anos de carreira.
Há uns dias, no Tivoli, em Lisboa, foi reposto um espetáculo de homenagem às suas canções, ao que representa, a tudo um que um dia deixará.
É público que está doente.
Um cancro que acordou novamente no seu corpo e o tenta deitar abaixo – só que Marco é resistente, tem truques que despistam a doença, o sonho louco de fazer mais um espetáculo grande, de começar mais uma digressão, de gravar um disco de despedida.
Não há melhor antídoto para o fim do que a força do sonho por concretizar.
2.
Marco Paulo é o símbolo de um país.
Marcelo Rebelo de Sousa condecorou-o em 2022. Felizmente fê-lo ao contrário de todos os outros Presidentes da República que nunca o acharam merecedor de honrarias do Estado.
Cresci entre dois movimentos.
O da minha família burguesa que achava o Marco o cantor das sopeiras, piroso até à quinta casa.
E o da minha família pobre que o venerava e seguia como alguém que valia a pena, alguém que cantava, que mudava o microfone de mão como só se via lá fora, alguém que tinha canções que podiam ser percebidas e soletradas pelo país real.
“Eu tenho dois Amores”
“Mulher Sentimental”
“Maravilhoso Coração”
“Ninguém Ninguém”
Tantos e tantos e tantos sucessos.
3.
Marco Paulo está muito doente.
E não é eterno. Como ninguém o é.
Mas para mim é uma figura maior.
Um cantor que viveu sempre para o seu público.
Que manteve a coerência e o respeito pelo que conquistou, por tudo o que sofreu nos seus dias de dificuldade, uma infância e uma juventude de que continua a não falar num Alentejo de um outro tempo.
Isolou-se no seu casulo.
E construiu uma relação com um país pouco respeitado pelas elites, um país de gente pobre ou remediada, de mulheres de trabalho que o viram como príncipe, que o viram dizer coisas que elas entendiam, coisas da vida, amor e ciúme, sedução e traição…
… refrões alegres que espantavam as tristezas e as convenciam a continuar na luta, a continuar a apanhar os autocarros de madrugada para limpar a casa dos outros, que as faziam sonhar com uma vida melhor, com maridos melhores, com aventuras a sério, sonhar com um homem como ele, que as tratava bem, que as ouvia, que lhes dava protagonismo e atenção.
Espero que Marco Paulo ainda faça um concerto grande.
Se o fizer, lá estarei para o celebrar.
A ele e a tudo o que representa.
Texto e programa de Luís Osório
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